Mr. Jonas 09/02/2018
Ubirajara
PUBLICADO em 1874, Ubirajara de José de Alencar é último romance indianista de Alencar. Se em O Guarani e em Iracema o romancista tratava do contato entre os europeus e os indígenas, aqui a matéria é o heroísmo indígena no período pré-colombiano.
Merecem especial destaque as notas do romance Ubirajara de José de Alencar. De escopo diferente das de Iracema, que funcionam como uma extensão do texto do romance, estas são de fundamentação histórica e, principalmente, de defesa dos costumes indígenas, promovendo o confronto sistemático entre o civilizado e o indígena, para demonstrar a vantagem deste sobre aquele.
Produzido em 1874, Ubirajara de José de Alencar faz parte do conjunto de obras indianistas do autor, nosso maior prosador romântico, que produziu, também, romances urbanos (de costumes), regionalistas e históricos.
Na obra de Alencar, o índio é um herói amalgamado à natureza. Esta, por sua vez, é exaltada pela exuberância e beleza, fazendo lembrar a imagem edênica e paradisíaca da nossa terra, referida pelos cronistas do Período de Informação (século XVI).
A linguagem é rica, colorida, cheia de adjetivos, exuberante, marcada por metáforas e imagens grandiosas, exóticas e atraentes, de grande plasticidade. A idealização está presente a cada passo, tanto nas descrições da natureza, quanto na apresentação das personagens. Visto de maneira mítica, lendária, o índio é o herói nobre, fiel, valente, corajoso, o ?bom selvagem? de Rousseau, lembrando um autêntico cavaleiro medieval.
Como se sabe, o propósito romântico de afirmação nacional e exaltação patriótica implicava o elogio da honra, da coragem e da valentia de nossos índios e está presente tanto na poesia de Gonçalves Dias, como nos três romances indianistas de Alencar. Este procurou retratar o Brasil ?brasílico? em sua totalidade geográfica, histórica e étnica e elevou o nosso índio à condição de herói, equiparando-o aos heróis da literatura europeia.
A leitura de Ubirajara de José de Alencar deve considerar a trilogia formada com Iracema e O guarani, uma vez que, juntos, eles marcam três momentos da nossa história: o pré-cabralino, o da formação de nossa etnia, com os primeiros contatos entre o índio e o branco, e o da colonização europeia.
O período pré-cabralino é enfocado em Ubirajara de José de Alencar, cuja história se passa antes da colonização portuguesa, com os índios ainda livres de qualquer influência estrangeira; os primeiros contatos entre o índio e o branco são tratados em Iracema, obra que tem o enredo dominado pela relação amorosa entre a personagem-título e o guerreiro português Martim; a colonização está presente em O Guarani, que trata da convivência entre o índio e o branco já no processo de colonização do Brasil.
Não se deve, porém, confundir a cronologia da abordagem histórica nas três obras com a ordem em que foram escritas: Ubirajara de José de Alencar, que trata do período mais remoto, foi a última a ser produzida (1874); O guarani, que se refere à fase mais recente, foi a primeira (1857) e Iracema, (1865), a segunda.
Desse modo, pode-se dizer que Ubirajara corresponde a uma fase de maior maturidade do autor, de equilíbrio mais acentuado e um maior apuro formal. E marca uma ficção que observa a realidade de um Brasil anterior ao branco, de um nativismo inocente, sem a ?mácula? de qualquer outra civilização. Nisto se revela um escritor interessado na busca daquilo que é mais puro, mais primitivo no Brasil anterior à exploração europeia.
O romance Ubirajara de José de Alencar revela, do ponto de vista alencariano, o caráter da nação indígena, um relato dos costumes e da própria índole do selvagem ? o bom selvagem ? oposto àquilo que informam os textos de missionários jesuítas e viajantes aventureiros. Trata-se de uma releitura do homem nativo. O próprio romancista afirma, na ?Advertência? que abre o romance:
?Este livro é irmão de Iracema. Chamei-lhe lenda como ao outro. Nenhum título responde melhor pela propriedade, como pela modéstia, às tradições da pátria indígena.
Quem por desfastio percorrer estas páginas, se não tiver estudado com alma brasileira o berço de nossa nacionalidade, há de estranhar em outras coisas a magnanimidade que ressumbra no drama selvagem a formar-lhe o vigoroso relevo.
Como admitir que bárbaros, quais nos pintaram os indígenas, brutos e canibais, antes feras que homens, fossem suscetíveis desses brios nativos que realçam a dignidade do rei da criação? [?]?
O romance Ubirajara de José de Alencar apresenta a seguinte história, narrada em terceira pessoa, por um narrador onisciente: Jaguarê, filho do cacique Camacã, torna-se o mais valente guerreiro de sua tribo, a araguaia. Quando atinge a idade de assumir tal posição ? nessa fase o índio troca de nome -, ele percorre as demais nações silvícolas em busca de guerreiros valentes a quem possa submeter, a fim de alcançar a glória entre seu povo.
Entre os tocantins, um guerreiro em especial interessava a Jaguarê, dada a sua fama de valente e hábil: era Pojucã, filho de Itaquê. Em sua caçada pela mata, Jaguarê encontra ocasionalmente a índia Araci, estrela do dia, filha de Itaquê, pai da grande nação tocantim. Por pouco não a confunde com o guerreiro Pojucã, irmão dela.
Jaguarê fica impressionado com a bela índia e a deixa partir. Depois, encontram-se na mata Pojucã e Jaguarê: ocorre violenta luta entre eles. Jaguarê consegue dominar o valente e o leva, preso, à tribo dos araguaias.
Feito guerreiro ilustre, Jaguarê passa a chamar-se Ubirajara, que quer dizer ?senhor da lança?:
?- Eu sou Ubirajara, o senhor da lança, o guerreiro invencível que tem por arma a serpente.?
Embora Jandira o ame e se prepare para casar-se com ele, Ubirajara decide voltar à nação tocantim, para buscar Araci, que desejava para esposa. Questionado pela noiva sobre sua demora, dá a entender a Jandira que ele ainda não havia escolhido aquela que seria mãe de seu filho. Muito triste, ela compreende que Ubirajara não a ama mais.
Ubirajara destina Jandira a Pojucã, para que ela seja sua ?esposa do túmulo?. Jandira tenta fugir, mas Ubirajara a segura e parte, deixando-a lá. Ela diz a Pojucã que não pertencerá a outro que não seja Ubirajara e ele, por sua vez, diz que não precisa do amor dela.
Mesmo sabendo que pode morrer por ter-se recusado a Pojucã, Jandira sai, desejando-lhe uma boa esposa. Vai para a floresta e lá entoa um canto de tristeza, belo e comovente.
Entra Ubirajara na taba dos tocantins e é recebido como hóspede. Há outros pretendentes à mão de Araci; por isso, deve haver luta. Jandira tenta matar Araci e é descoberta por Ubirajara, que a impede e diz que ela deve morrer, mas Araci afirma que ela lhe pertence agora, por ter ameaçado sua vida. Depois de discutirem, sozinhas, Araci oferece-lhe a liberdade, mas Jandira não aceita.
Ubirajara torna-se vencedor outra vez e, para merecer a noiva, submete-se a mais uma prova, deixando-se picar por saúvas famintas. Enquanto suporta a dor, sorrindo, entoa um canto de amor por Araci.
Itaquê, o cacique tocantim, interroga Ubirajara e descobre seus antecedentes. Furioso com o adversário de sua tribo e de seu filho, manda prendê-lo.
Nesta ocasião, ferozes índios tapuias invadem o território tocantim, de onde já tinham sido expulsos; agora, vêm com mais valentia. Ocorre violenta luta, da qual Itaquê sai ferido, cego, tornando-se impossibilitado para governar seu povo. Itaquê manda chamar todos os seus guerreiros e estabelece um concurso de valentia, para escolher seu substituto. Todos falham.
Chama, então, Ubirajara, e ele consegue dobrar o arco de Itaquê, tornando-se o chefe dos tocantins, que se uniram à nação araguaia, agora chamada de Ubirajaras.
O herói se casa com as virgens das duas nações: Araci, da tribo tocantim, e Jandira, da tribo araguaia. São agora uma só família.