Eduardo Cassago 23/04/2024
Leiam, por misericórdia!
Peça de Nelson Rodrigues encenada pela primeira vez em 1943, iniciou o processo de modernização do teatro brasileiro, apresentando inovações como a divisão das ações em três planos diferentes – realidade, alucinação e memória. Tornou-se um grande marco da dramaturgia brasileira.
Apresentando esses predicados de estrutura complexa, coube ao diretor Ziembinski o trabalho de manter a apresentação fidedigna ao texto, montando assim um espetáculo sem precedentes. Vale lembrar que Ziembinski trouxera consigo toda a bagagem do teatro europeu e pôde aplicar em terras brasileiras seus conhecimentos sem ater-se aos vícios e limitações reinantes por aqui no período. Tem início a modernização dita a pouco.
A partir da relação conflituosa entre duas irmãs, deflagrada pela disputa de um mesmo homem, flutuamos entre os planos, sorvendo toda a culpa, angústia e aflição presentes numa relação familiar, cujo antagonismo deveria ser o amor e cumplicidade. Nelson captura a atenção do público e leitores escarafunchando nosso âmago, local onde o desejo e o pudor duelam vorazmente.
Surge a figura da prostituta, de luxo, Clessi. Figura imponente e elegante, reluzindo a própria “vida” de Alaíde, que em seu delírio entre mundos, visualiza sua vida sobreposta a da Madame, gerando toda uma revoada de pensamentos e dúvidas a quem assiste e lê. Alaíde admira a puta, ou se vê como tal após apanhar o namorado da própria irmã? Talvez seja apenas a aspiração de uma vida livre, sem amarras e tensões sociais.
A Via Crúcis culmina como a mais famosa: em morte! Lúcia não suporta o peso da culpa pelas blasfêmias disparadas contra a irmã, mas irá o pudor sobrepor o desejo? Somente nos santos! Mas essa história não é sobre santos, nem para eles.
Leiam, por misericórdia!
site: https://youtu.be/gsc0UaV8kBc