Craotchky 31/08/2023O outro lado da moeda"Trabalhava por gosto e vocação, mas também para divertir-se."
Sendo, cronologicamente, a primeira obra do famoso ladrão francês Arsène Lupin, O ladrão de casaca é um livro constituído por histórias curtas e independentes; em outras palavras, o volume reúne contos até então publicados por Maurice Leblanc, protagonizados pelo seu principal personagem. Nota-se que houve uma leve tentativa de atribuir certa coesão ao todo, mas sinceramente não havia necessidade, uma vez que cada capítulo se sustenta sozinho. Generosamente, poderíamos nos referir ao livro como um romance episódico...
O fato é que O ladrão de casaca é um livro leve, divertido, criativo, sarcástico e, por vezes, engraçado. Leblanc conseguiu criar um personagem carismático, elegante, confiante e claro, sagaz. Ao mesmo tempo, o autor conseguiu criar um personagem que, embora seja "do mal" dificilimamente (inventei essa palavra agora) será taxado pelo(a) leitor(a) de vilão, porque, como diz na contracapa desta edição,
"[...] ridicularizando os burgueses, ajudando os fracos, Arsène Lupin é um Robin Hood da Belle Époque."
A frase destacada acima faz mesmo sentido. Lupin meio que tem e respeita um código moral todo próprio. Realmente ele rouba apenas pessoas extremamente ricas e não costuma empregar meios violentos para cometer seus crimes; sua principal arma é a astúcia. Interessante também que Lupin frequentemente utiliza disfarces e outros nomes, o que, durante uma parte dos contos, esconde sua identidade até de quem está lendo! Ele vai se revelando aos poucos, através de suas ações, afinal:
"Por que hei de ter uma aparência definida? Por que não evitar o perigo de uma personalidade sempre igual? Meus atos já me revelam bastante. Tanto melhor que não possam nunca dizer com certeza: 'Eis aqui Arsène Lupin'. O essencial é que digam sem medo de errar: 'Arsène Lupin fez isso'."
Sim, algumas coisinhas podem soar meio forçadas às vezes, mas nada que se possa condenar veementemente. Não fica tão claro, também, como Lupin sabia determinados elementos de um caso; no máximo esse conhecimento fica sugerido implicitamente, ou fica como que subentendido. Mas é outra coisa que raramente acontece, e a meu ver praticamente não prejudica o todo.
Sem dúvida, o grande momento do livro é quando Arsène Lupin se vê cara a cara com Sherlock Holmes, ou melhor, Herlock Sholmes. Penso que o autor jogou bastante bem com as possibilidades desse encontro, sobretudo no escasso espaço de um conto. Pelo que senti, Leblanc trata Herlock com respeito. Ao final, quando interrogado sobre a razão de não ter prendido Lupin quando teve uma manifesta oportunidade que lhe caíra no colo, Herlock responde:
"[...] quando se trata de um adversário como Arsène Lupin, Herlock Sholmes não aproveita as oportunidades... ele as cria."
Claro que Leblanc favorece sua criação, mas não consigo ver qualquer intenção pejorativa para com o personagem de Sir Arthur. O desfecho é ousado ao deixar claro que Maurice planejava colocar os rivais frente a frente novamente. Não resta dúvida que lerei Arsène Lupin contra Herlock Sholmes; não posso perder mais um confronto.
CURIOSIDADES:
• Em 1955 o mestre Hitchcock adaptou o livro no filme "To catch a thief". (Essa nem eu sabia!)
• Após Conan Doyle apelar para a justiça contra o uso de seu personagem pelo autor francês, Leblanc foi proibido de usá-lo. Assim, apenas trocando a posição da letra S, nasceu Herlock Sholmes. Herlock Sholmes mora na Parker Street e cultiva uma amizade profunda com o sr. Wilson. (hahahahahahah)
• Uma provocação/cutucada de Leblanc(?):
"[...]Herlock Sholmes, o mais extraordinário decifrador de enigmas jamais visto, a prodigiosa personagem que parece forjada pela imaginação de um romancista [...]"
• Em sua autobiografia (já resenhei ela por aqui, inclusive) Conan Doyle conta uma histórica curiosa:
"Numa dessas ocasiões, quando eu entrava no salão para participar de um torneio de bilhar amador, o atendente me entregou um pequeno embrulho que havia sido deixado para mim. Ao abri-lo encontrei um pedaço de giz comum, cor verde, igual aos que se usam para jogar bilhar. Divertido com o incidente, guardei o giz no bolso do colete e usei-o durante a partida. Depois, continuei a usá-lo, até que um dia, meses mais tarde, ao esfregar a ponta do taco, a superfície do giz cedeu e descobri que ele era oco. Do orifício assim exposto puxei uma tira de papel com as palavras: 'De Arsène lupin para Sherlock Holmes'."