Julhaodobem 01/06/2021
Resenhando - A Falência
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Os clássicos são considerados clássicos por causa de um pequeno objetivo, não são esquecido. Digo isto pois não teria como lembrarmos de um bruxo de cosme velho, um José de Alencar ou um Oswaldo de Andrade se fossem esquecidos da literatura brasileira. Estes homens não foram apagados, seus livros por mais que ignorados pela nova geração, sempre estão circulando no país. Entretanto existem clássicos esquecidos, obras magníficas no qual conversam com assuntos atuais de uma forma inesperada pela sociedade contemporânea. A Falência de Julia Lopes de Almeida é um dos exemplos perfeitos de como é ser uma mulher escritora em plena época de transição da República brasileira, uma época onde mulheres eram artigos para serem colecionados e expostas pela elite. Conheci está obra pela lista de livros obrigatórios do vestibular da Comvest (Unicamp), que como outros vestibulares pelo Brasil renasce obras da literatura nacional por meio de suas provas, colocando novamente estes livros em circulação na sociedade. Julia Lopes de Almeida publicou mais de 8 livros em sua época, um deles A Falência. Foi uma escritora afrente de seu tempo, não há como não citar sobre sua vida junto com seus livros pois reflete profundamente em questões sobre ela e como via a sociedade de sua época. Seu apagamento da história foi tanto que ela foi recusada por ser mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras sendo forçada a dar este cargo para o seu marido, Pilinpio de Almeida. Portanto A Falência é uma porta de entrada para assuntos complexos que estão até hoje em nossa sociedade, Júlia foi uma destas escritoras que foram apagadas e só conseguiu retornar do limbo graças as faculdades públicas que colocam para seus respectivos vestibulares como uma leitura para os estudantes, desta forma nunca teria conhecido estra obra, uma narrativa que é escrita entre o grande Realismo e o abandonado e polêmico Naturalismo.
A obra possui em seu cerne questões relacionadas ao lugar da mulher na sociedade daquela época. O foco em muitos momentos é conhecer como as mulheres vivem e qual é o seu lugar, no qual percebe-se alguns tipos de presenças femininas que aparecem ao longo da narrativa como algumas personagens de alta classe ou da pobreza. Mulheres que o dever é administrar os bens domésticos do homem como se fossem a sua própria empresa particular, colocando a personagem como nenhum homem escritor conseguiria pois não possui a visão feminina, o posto de superioridade mesmo que sejam atividades desiguais na visão atual. Está força que a autora passa entre a história por meio de pequenas ordens da personagem que aumentam a sua importância na história fazem que o leitor ou leitora crie uma empatia com os causos daquela mulher, conhecendo suas vontades, medos e principalmente segredos obscuros que são criados durante sua vida, sejam bons ou ruins. Portanto, cria-se em torno do livro um empate interessante, de um lado a visão conservadora que está mais vigente na época e de outra, por meio de ações de uma personagem, a visão da mulher livre e independente. Isto causa uma discussão muito importante pois se liga com questões da feminilidade atualmente, como uma luta contra a violência e a autonomia da mulher na sociedade. Junto com esta discussão existe hoje mais conhecido como feminicidio , uma discussão que não existia na época mas está presente na obra como uma das peças chaves da narrativa que está junto com o dever da mulher no casamento, discutindo qual é o lugar que ela deve ficar e o que é obrigado a fazer para esconder suas vontades e desejos de todos pois deve ser submissa ao homem e tambem cuidar da casa por meio de seus empregados. A mulher emancipada consegue seu lugar no livro com essas características no qual mesmo que consiga a sua liberdade ela é falsa pois a sociedade sempre a tratará como um pedaço sem valor, ligando com a vida real de várias mulheres independentes, mas é algo colocado também durante o livro, nisto vemos o quanto Júlia Lopes de Almeida colocou a sua visão e da própria sociedade da época caracterizando o feminino com o seu cotidiano, fazendo um contraponto com a autora por ser mulher e somente ela conseguir expressar-se por meio dos seus personagens.
Os retratos da falência são perspectivas e moldam a obra de uma forma construtiva durante a narrativa. Como já citado, a Falência da sociedade que em granda parte é retratado pela burguesia do Rio de janeiro na visão feminina, com festas grandes e esbanjar de riquezas que pensam como algo infinito, no qual está ligado com a falência da fortuna onde junta o ponto importante da história do Brasil, a baixa do preço do café que como toda crise econômica abala todas as classes sociais incluindo as empresas de café, um ouro para a economia brasileira que na época se ergueu por meio da agricultura, tornando-se um grande exportador de vários tipos de commodities. Por último, a falência do casamento, que move a história de acordo com as consequências de seus atos, ocorrida por meio da mulher colocando-se em posições de questionamento acerca do cônjuge e quais são os limites a serem quebrados. Portanto, toda a falência do livro não seria possível com a bagagem que os personagens trazem ao longo dos capítulos contendo detalhes sobre seus comportamentos, características físicas e emocionais, mesmo não transparecendo a todos os momentos pois lhes é cobrado um papel perante a sociedade que representam por meio de suas histórias de vida, como se comportar e se expressar socialmente em ambientes elitistas na época no território brasileiro.
Portanto, por ser um livro de época há questões específicas do Brasil que estão altamente ligados com a sociedade. O Brasil estava passando por uma república já a algum tempo no livro no qual reflete na narrativa, como toda mudança ainda fica o ideal monarquista por boa parte dos personagens, a maioria de elite que passa a lembrar e deixar idéias de que com Dom Pedro II o Brasil continuaria seu tempo de conquistas e riquezas que somente este belíssimo pais tropical possui no ocidente. Algo que fala muito nas entrelinhas dos personagens com a forma como veem o futuro da sociedade e como entram nela na categoria de familias privilegiadas enquanto observam com desdém as falências dos cidadões pobres e cariocas, refletindo na intelectualidade que estava sendo feita na república que torna-se ambígua durante a história com os personagens. Enquanto a categoria de trabalhadores árduos e braçais do café se olham como homens de verdade, desprezam o homem intelectual como o atraso para o futuro do Brasil pois o pensamento destes são idéias aínda da monarquia e da colônia. Entretanto há homens e mulheres que valorizam o valor intelectual com uma visão grandiosa e iludida em formato de uma riqueza que poucos conseguiam, tornando-se um símbolo para a elite. O estudo também pode ser escondido pelos personagens como uma forma de proteção contra preconceitos no trabalho, transformando o ato de um homem frio ler um livro de poemas em algo inesperado e distorcido da realidade para outros pois a masculinidade imposta pela sociedade não colabora com este jesto. Se não fosse fazer medicina ou direito, o homem deveria se tornar frio e destemido para todos, virando uma personificação do machismo que perpetua nosso convívio desde as primeiras civilizações. Desta forma ocorre-se a discussão com a visão da autora na época, o quanto o homem deve ser másculo, o quanto ele deve usar a sua raiva e força para provar consequentemente para a sociedade que ele é um homem forte para sua família e o seu trabalho. Portanto a sociedade torna-se uma força invisível que não existe apenas no livro mas também na vida real, nos fazendo refletir tanto para o bem ou para o mal o quanto somos para ela em que devemos nos tornar a qualquer custo , não importando se teremos que perder uma parte de nós mesmos para colocarmos nossas vidas em uma parte "gloriosa", pensando na visão dos monarquistas sonhadores em como deve ser administrado o território do país por meio da república não amada.
Assim, com todas as características atuais, as discussões sociais importantes, o livro não parece ter seus pontos negativos mas não é bem desta maneira. Por mais que seja uma obra literária a frente de seu tempo, muitas obras desta época da república continuava tendo conceitos colôniais. O livro apresenta características racistas em vários momentos da narrativa como a palavra "mulata" e "negro analfabeto", na qual eram usadas para se referirem a eles, isto nos mostra o quanto a escravidão ainda existia no vocabulário popular e como o povo negro foi jogado pelo Brasil para a servidão, continuando os costumes da escravidão só que agora de uma nova forma mais camuflada e aceita pela população europeia. O homem negro é retratado com o esteriotipo do homem selvagem, servindo para o trabalho árduo como carregar sacas de café o dia inteiro mais que os trabalhadores brancos, estes que o enchergam como um animal, colocando a Zoomorfização que é uma figura de linguagem que descreve o homem como um animal em seus afazeres, algo que na questão do homem e mulher negra são retratados ao longo de todo o livro. A mulher negra é colocada como um objeto de poder pelas mulheres brancas que ficam no comando, transformando-se em uma hierarquia nas casas da elite carioca pois quando a esposa não está presente quem cuida dos filhos é está "governanta" que convive com a burguesia a todo momento transformando essa mulher negra em uma espécie de faz tudo doméstica da casa. Entretanto mesmo com estas características sociais, o livro continua sendo uma obra atual mesmo com comportamentos antigos, conceitos que por mais que sejam muito presentes nos clássicos brasileiros devem ser encarados como uma realidade, tirando as coisas boas para aprofundarmos na história e tirar conceitos ruins para vermos que neste caso a escravidão foi real no Brasil, para combatermos ideiais de extrema direita que negam vários conceitos não somente da existência de escravos mas também de aspectos importantes da história do Brasil.
Portanto, ler A Falência se transforma em uma experiência de entender a sociedade brasileira durante a transição para a República e compreender conceitos colocados até o momento na sociedade. Ler Julia Lopes de Almeida sempre será uma obrigatoriedade para os jovens, ouso até principalmente para as jovens mulheres que gostam de literatura pois penso eu, um homem, que somente ler homens falando esteritipos de homens é desgastante ainda mais vindo de um clássico brasileiro, por isso colocar este livro como uma das obras obrigatórias da vestibular da Comvest (Unicamp) é necessária para abrir a mente dos jovens que sonham tanto entrar em uma faculdade publica. Ler este livro para mim, um vestibulando em meio ao caos, foi revelador durante a leitura. Conhecer Júlia Lopes de Almeida e a sua história por meio de sua literatura foi aprofundar conceitos que não são abordados como deveriam na educação brasileira,como o lugar da mulher na sociedade, um pais que esconde seu histórico de escravidão por ser o último país a abolir, o porque existiram tantas escritoras mulheres que foram apagadas da história e como era a sociedade da elite brasileira em tempos onde a falência chegava para estas pessoas que se sentiam como seres divinos que pensavam nunca cair de seus reinos feitos de ouro e banquetes. Portanto , A falência de Julia Lopes de Almeida é um clássico que podemos tirar muitos conceitos sociais que existem até hoje no nosso país, sendo por isso escolhido para um vestibular, para ser um livro que não é para ser somente lido e guardado mas sim para sempre ser lembrado na memória daquele adolescente que o ler.