O seminário, livro 2

O seminário, livro 2 Jacques Lacan




Resenhas - O seminário, livro 2


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Marcelo 20/11/2023

29 de junho de 1955

Dia em que Jacques Lacan finaliza seu segundo Seminário, abordando o Eu na teoria do Freud e na psicanálise - tema nada fácil de ser abordado.

Neste Seminário, Lacan estabelece as bases para sua diferenciação entre o Eu (moi - o eu alienado) e o Jé (sujeito do inconsciente). Essa diferenciação é pertinente no seu ensino, pois Lacan irá dizer que o Eu (moi) é alienado, podendo se confundir com o pequeno outro (outro¹); enquanto o sujeito do inconsciente (jé) é regido pelo grande Outro.

Lacan nos comunica que a leitura do texto "Além do princípio do prazer (Freud, 1920)" é de suma importância para entender as bases de seu Seminário. Assim como no Seminário 1 (Os escritos técnicos de Freud), Lacan ainda está retomando muito do legado do pai da psicanálise para criticar a chamada "psicologia do ego" e formalizar a psicanálise.

É um Seminário de difícil leitura em alguns momentos. Não deixo de lado a opinião de que seja necessário uma base bem sólida de Freud para entender melhor Lacan, pois o mesmo se diz um grande freudiano (e foi). Ler Lacan, principalmente sozinho, é um grande desafio. Mas, para quem tem o desejo na psicanálise, a curiosidade de saber é maior. Foi uma ótima leitura, e em breve certamente irei reler.

Viva o homem que retornou a Freud!

Há muito a se descobrir.

@mf.divaneios
Psicólogo CRP 22/05397
Psicanalista
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Paulo Silas 14/03/2022

Prosseguindo com as abordagens sobre os escritos de Freud, Lacan leva o debate no livro 2 de "O Seminário" para a questão da transferência e sua relação com a ordem simbólica, centralizando a atenção na questão do 'eu' na teoria freudiana, compreendendo-o tanto como o sujeito do inconsciente quanto como o da função imaginária. Como evidencia Lacan logo no início de sua exposição, "definir a natureza do eu leva muito longe", e é justamente essa a pretensão que se estabelece nas abordagens realizadas nos seminários que preenchem as mais de quatrocentas páginas de "O Seminário, livro 2: o eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise".

"O homem contemporâneo cultiva uma certa ideia de si próprio que se situa num nível meio ingênuo, meio elaborado" - com essa afirmativa, Lacan aponta para alguns paradigmas da subjetividade (a partir de Platão e a partir de Descartes) para contrastar com aquele descoberto pela psicanálise, o que ensejou em uma forma de revolução copernicana em Freud. É que com o inconsciente descoberto não há mais qualquer "círculo de certezas no qual o homem se reconhece como um eu", sendo somente fora desse âmbito que há alguma coisa que pode se designar e se expressar por e como 'eu'. Sujeito e indivíduo como coisas distintas, portanto, assim como o 'eu' como um outro. A noção do 'eu' é assim então situada de forma aproximada a noção de objeto, pois pela consciência é dessa forma - como objeto - que o 'eu' é apreendido.

Os seminários ministrados entre novembro de 1954 a junho de 1955 são os que estão compreendidos nesse livro 2, o qual é dividido tematicamente em três partes - para além da introdução e do final: "além do princípio do prazer, a repetição", "os esquemas freudianos do aparelho psíquico" e "para além do imaginário, o simbólico ou do pequeno ao grande outro". As discussões e os debates com os participantes se fazem presentes de forma expressiva, elucidando ou problematizando diversos pontos tratados nas abordagens tantas. Universo simbólico, o fenômeno da consciência, censura e resistência, desejo, a noção do Outro e outros temas inerentes da psicanálise são trabalhados por Lacan em seu estilo próprio, tratando-se de uma importante obra para esse campo do saber.
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Cesar270 30/10/2021

O eu trata-se de uma cumplicidade entre a análise e a ilusão fundamental da vivência humana, que é a crença de que o humano é razoavelmente fixo. Freud e sua técnica transcendem essa ilusão. Transformar a psicanálise num desenvolvimento individual unilateral preestabelecido é o recalque daquilo que a análise trouxe de essencial.
A apreensão de um objeto pela consciência não fornece as propriedades desse objeto de imediato (há vários véus fantasmáticos nesse meio tempo), e o mesmo ocorre com o eu. O eu é um outro. O eu tem como tarefa principal transformar tudo em energia secundária e não definiria todo nem qualquer sujeito. Daí o aparecimento da tendência à repetição. As resistências vivem no eu. O eu é a soma dos preconceitos que cada um carrega individualmente. Trata-se de incluir o que sabemos ou cremos saber. A resistência aparece toda vez que uma perspectiva nova lhes é trazida de uma maneira descentralizada com relação à experiência de vocês, sempre se opera um movimento pelo qual vocês tentam reencontrar o equilíbrio (que é o centro habitual do ponto de vista de vocês). O imperativo freudiano de enfraquecer as resistências levou os analistas anglo-saxões a enfatizar o eu no tratamento, fazendo da experiência analítica um recinto imaginário onde o eu do analisando enfrentaria o eu do analista.
Acontece que o núcleo do nosso ser não coincide com o eu e, inclusive, o inconsciente escapa totalmente a este círculo de certezas no qual o homem se reconhece como um eu. O mundo do símbolo se fundamenta na insistência repetitiva, que aliena o sujeito. O eu está na intersecção do eu com o outro.
A pulsão de morte e o mais além do princípio do prazer são extensamente discutidos neste seminário. No princípio do prazer, o prazer tende ao seu fim, pois o prazer precisa ser consumido e usufruído. Seu fim é seu cessar. O princípio da realidade busca que o prazer se renove, busca resguardar os prazeres, cuja tendência é atingir seu cessar. Pode-se considerar que, com a morte, todas as tensões são anuladas. Porém a morte que se fala aqui tem a ver com a vivência humana, é necessário trilhar os caminhos da própria vida, e cada um chega na morte por um caminho singular. Aqui a morte é o cessar dos passos caminhados de forma singular, não se trata de suicídio ou entrega à inação, mas sim vida e seu cessar. As diferentes classes de pulsão, então, se resumem na pulsão de morte, ao se deixar de apavorar-se com esse nome espantoso.
Se a primeira fase da análise passa pela máxima projeção do sujeito, não é para deixar que o analisando estagne nessa miragem ou no amor de transferência que dela se deduz, mas para dar a perceber tudo aquilo que na história de suas captações tem a ver com circunstâncias simbólicas oriundas ao sujeito. A simbolização (a história reconstruída de suas circunstâncias ou de suas relações) é a única que permite o reconhecimento do que é o sujeito. Esse sujeito é filho, ou função, do universo simbólico da linguagem e da lei que o acolheram ao chegar ao mundo. Neste registro da lei estão situados a censura e o supereu. O supereu é a lei na medida que aterroriza o sujeito, que constrói nele sintomas eficientes, elaborados, vivenciados, que representam esse ponto onde a lei não é compreendida pelo sujeito, mas é desempenhada por ele. Isso do lado do registro simbólico do analisando. Já a resistência é provocada pelo analista. Não há resistência do sujeito. O sujeito vai até onde ele está. A resistência é o estado atual de uma interpretação do sujeito. É a maneira como, naquele momento, o sujeito interpreta o ponto onde ele está. Trata-se de saber se ele irá dar um passo adiante ou não.
O inconsciente é o discurso do outro, e para que haja relação de objeto, é preciso que já haja relação narcísica do eu ao outro. Essa é a condição primordial de qualquer objetivação do mundo exterior. Já o desejo, de outro lado, é uma relação do ser com a falta. Essa falta, paradoxalmente, é falta de ser. Na medida em que a libido cria os diferentes estádios do objeto, esses objetos nunca são "bem isso" que demandamos. O desejo é desejo de inomináveis. E que o sujeito chegue a reconhecer e a nomear seu desejo, eis a ação eficaz da análise.
Por "fim", diz Lacan que há dois perigos no campo clínico: 1) não ser suficientemente curioso e; 2) compreender demais. Interessante, não?
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PH 07/01/2021

O seminário mais lacaniano dos primeiros seminários
Não à toa é possível se deparar com um ambiente um pouco mais hostil em relação aos aportes que Lacan tenta dar para a psicanálise. Seriam eles originais ou não? Qual o sentido de seu retorno? Boas perguntas, e é engraçado ver que em vários momentos quem assistia os seminários efetivamente conseguiu colocar Lacan na parede com o intuito de tentar pôr em pauta um incômodo que aparentemente rondava a sala. Se quem habitualmente ouve tem mais liberdade para falar, quem geralmente fala necessariamente acaba tendo que escutar. E Lacan escuta poucas e boas. Fica irritadiço em alguns momentos e impaciente quando contrariado. Para nós que estamos em 2021 resta sorrir com o ridículo de todas essas confusões. Felizmente o seminário está longe de ser apenas isso.

É também aqui que temos a possibilidade de encontrar uma crítica ao conceito de responsabilidade. Seria a psicanálise um dispositivo jurídico de moralização? Talvez não precise ser.

Como ser responsável se o que temos em mãos é, já em 1955, aquilo que ele resolveu chamar de "imisção de sujeitos"? Ora, estamos diante de um sujeito "policéfalo", e o debate proposto tenta dar conta da radicalidade que é trabalhar a partir desse paradigma.

Em todo caso é aqui que também encontramos um Lacan do real... Mas que real? Do corpo? Seria o fundo da garganta de Irma? Sua vagina? O que falar do "real sem mediação possível"? Estamos diante de um sonho, é verdade, mas quais as consequências e aberturas que o texto dá para aquilo que tão bem conhecemos dentro do nosso campo (real biológico)?

Por fim, se possível deem uma conferida na lição 19. Nesse dia o homem estava inspirado ao ponto de conseguir fazer-nos viajar a partir da pergunta mais absurda possível: "por que será que os planetas não falam?". Vale a pena. O que se segue é uma reflexão potente sobre a ciência e o lugar da psicanálise nesse debate. A reflexão sobre as ciências conjecturais aparece aqui como uma possibilidade de trabalho e uma orientação para o futuro.
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Erick 20/12/2020

os labirintos do desejo
Nesse segundo volume de seus Seminários, Lacan ainda não formulou em todos os pormenores a tríade Imaginário-Simbólico-Real. De fato, a questão do eu está efetivamente vinculada ao imaginário em suas clivagens em relação ao simbólico e ao real. No entanto, ao menos desde o Discurso de Roma em 1953, já havia em sua fala e em seus escritos apontamentos relacionados a esses três registros.
O registro do imaginário vincula-se a intersubjetividade das relações entre eu-outro (com minúscula) nas suas relações mais imediatas de demanda (obviamente as demandas subjetivas, o estágio do ‘pedir’). O simbólico é o campo do desejo no seu aspecto inconsciente, uma vez que o conjunto dos símbolos, dos significantes e tudo aquilo que nos precede enquanto subjetividade está investido de relações de desejo e de inconsciência – não estamos totalmente conscientes da potência significativa e desiderativa da palavra e seus avatares da ordem simbólica. O real é o âmbito do gozo e dos termos de sua impossibilidade, tendo em vista os intrincados liames de contingência e necessidade que nos conectam aos objetos obscuros de nosso desejo e de nossas fantasias.
A questão da subjetividade – o eu enquanto aparição imaginária que podemos identificar mitologicamente com o momento da infância e de nossa inserção no mundo dos significantes – é abordada através do emaranhamento desses três registros. A criança é mítica porque ela é falada antes que fale por si, antes que consiga narrar-se na esfera das identificações imaginárias. Ao nascer, a criança torna-se um pedaço de carne clivado pelas tensões do simbólico: ela é inserida num universo cultural e linguístico ao qual subordina-se, submete-se, assujeita-se. É por isso que o sujeito é sempre efeito da cadeia significante e nela revelam-se as obscuridades do desejo.
Entretanto, a relação é com a Mãe, ou a posição do tesouro dos significantes, o grande Outro. É uma relação tensa pois ambos estão perdidos – a Mãe também já foi uma criança subordinada às leis simbólicas e está tão perdida quanto a criança nesse processo de subjetivação. Ninguém, de fato, tem controle nenhum sobre esse teatro. Ao entrar nesse vínculo com a Mãe, a família e a linguagem, a criança torna-se sujeito barrado ($), pois marcado ontologicamente pela falta-a-ser. O estágio do espelho revela o momento em que o indivíduo distingue o objeto que é da imagem que tem de si – esse descompasso entre o eu-ideal e o Ideal-de-eu marcará todas nossas relações, uma vez que tem a ver com a noção de autoridade que temos (metáfora paterna) e a representação que fazemos de nós mesmos através de nossas identificações.
Essa relação especular-projetiva entre o eu e o outro é marcada pela demanda, tudo aquilo que peço ao outro visando satisfazer meus impulsos imaginários – para Lacan, a demanda é o âmbito da afetividade, pois toda demanda, independente do que demandamos, é sempre uma demanda por afeto. A demanda é este aspecto mais externo do discurso e da reciprocidade, ou seja, o desejo por reconhecimento. Toda subjetividade quer, antes de mais nada, ser reconhecida enquanto tal: apenas dessa forma ela poderá realizar essa dialética que vai do desejo por reconhecimento para o reconhecimento do Desejo, a assunção de que, ela própria é um objeto de desejo.
Quando essa dialética inicial não ocorre, aparecem os sintomas, que são efeitos metonímicos desses fracassos afetivos. Nunca somos amados como desejaríamos sê-lo e por quem gostaríamos que fôssemos (eis a raiz das neuroses). Há sempre uma inadequação que nos faz sofrer. Sintoma, portanto, é sempre esse déficit de significação que nos marca. Esse descompasso entre o significante e o significado é onde reside a barragem de nossa subjetividade ($). De um significante ao outro (de s1 para s2), no seu encadeamento, o sujeito é o que desliza e condensa, inconsciente portanto de seu descentramento fundamental e de suas volições mais imediatas na ordem das demandas e satisfações.
A subversão lacaniana reside exatamente nessa dialética entre saber e verdade, pois onde sei (Cogito) não estou, ao menos significativamente. A verdade do sujeito é o seu desejo, embora dele esteja inconsciente, quer dizer, numa relação de não-saber, de desconhecimento do vínculo entre seu desejo e o desejo do Outro. Há uma ilusão de que podemos transferir a essência de nossos desejos para objetos – corpos e representações tornam-se suportes dessa realização. No entanto, a frustração decorrente da insatisfação nos demonstra a inadequação desta transferência. O desejo do Outro significa que o desejo não se reduz a um objeto, mas é a própria articulação do sujeito na sua relação com suas fantasias. Nesse sentido, a fantasia torna-se o liame entre o desejo e seu objeto (expresso na teoria lacaniana como objeto a - petit a).
O sujeito descentrado apenas toca sutilmente o seu desejo através de suas fantasias, quer dizer, através das representações que ele tem de si e os modos como ele goza de seu objeto perdido. O circuito que vai do desejo à fantasia, desta ao objeto a (causa do desejo) e deste ao gozo (mais-prazer, a mais-valia lacaniana) revela que a travessia da fantasia significa uma espécie de descoberta do núcleo subjetivo, ou melhor, o porquê (sentido) gozamos específicos e determinados objetos. Fantasiar uma coisa diz muito sobre nossa subjetividade – esse eu imaginário que identifica-se com objetos obscuros –, sobre as modalidades de nossas satisfações imaginárias e o uso dos prazeres. O gozo é o Real do sujeito justamente porque está para-além da demanda (imaginária) e do prazer (simbólico) e articula suas fantasias e suas conexões de objeto, revelando os desejos mais íntimos.
A pergunta “que deseja?” é tão acachapante porque insistimos em alienarmo-nos na demanda, em pedidos circulares que nada nos dizem nem sobre nós nem sobre eles. Ela é sempre marcada por um “não é isso” - segundo a fórmula clássica da demanda “te peço que recuses o que te ofereço pois não é isso” . Estamos sempre nos articulando na demanda, o que só comprova como o ego é a estrutura basilar do imaginário. A proporção é diretamente inversa entre o eu e o mundo (eis a alienação): quanto maior o eu – o universo egóico – menor o mundo: o interesse pelo mundo objetivo de pessoas, instituições, símbolos e desejos… e quanto maior o mundo – esse universo do real – menor esse eu-imaginário, que apenas circula de demanda em demanda para concluir “não é isso!”. O desejo tem a estrutura da metáfora (da ficção) justamente porque é irredutível a proposições lógicas e a definições geométricas. É necessário elaborá-lo, articulá-lo, interpretá-lo, deslizar em seus meandros, suas superfícies, seus abismo...
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