Coruja 08/04/2021Mais um para minha conta do Projeto Agatha Christie. Terminei esse refletindo sobre como nossos gostos mudam com a idade: quando primeiro comecei a ler Christie, ainda adolescente, não gostava de Miss Marple, pensando nela mais como uma velha fofoqueira que uma curiosa da natureza humana (algo provavelmente decorrente de tias fofoqueiras que gostam de se meter na vida alheia). Após mais de uma década, retornando de forma consistente ao universo da autora, noto que minha percepção se alterou: mais que isso, sendo já esse o segundo livro com a personagem que leio esse ano, descobri que gosto muito do bom humor, da perspicácia e das referências confortáveis de Miss Marple.
São exatamente essas características, aliás, que a levarão a Stonygates, palco do crime que dá o tom de Um Passe de Mágica. Incitada pelos pressentimentos de Ruth Van Rydock; que acredita estar em perigo a irmã, Carrie Louise - ambas antigas colegas de escola da detetive - Miss Marple parte para a companhia da amiga. Ela não sabe bem ao certo o que a espera na mansão onde mora Carrie, que abriga também um centro de reabilitação de jovens delinquentes. Não demora, porém, para que a intuição de Rith se prove verdadeira: um assassinato ocorre em Stonygates e tudo indica que Carrie Louise esteja também em perigo.
Publicado em 1952, esse é o quinto romance protagonizado por Miss Marple (não contando antologias de contos). O título original em inglês (They Do It with Mirrors no Reino Unido e Murder with Mirrors nos Estados Unidos) é uma pista valiosa para o mistério e desde a primeira página fiquei pensando onde onde os espelhos se aplicariam. De fato, há vários reflexos ao longo da narrativa: comparações entre finados maridos de Carrie Louise e seu atual; entre uma filha adotada e outra nascida na família; entre a herdeira da casa e o jovem bastardo com mania de grandeza, entre uma tentativa de homicídio e um homicídio consumado que ocorrem quase ao mesmo tempo.
Foi pensando em todas essas imagens duplas que formei meus palpites. Minha desconfiança inicial se provou correta (pergunta-chave: quem teve as oportunidades?), embora eu tivesse imaginado que um terceiro empunhara a arma. Mas, por alguns capítulos, eu me deixei enganar por algumas pistas falsas plantadas pelo assassino e fiz mau juízo de outra personagem. Enfim, voltei aos eixos, creio que ao mesmo tempo em que Miss Marple pensa na importância de uma respiração ofegante e deslinda o caso. Pergunto-me se me dou um ponto inteiro por ter acertado a solução ou se desconto meio ponto por ter me deixado enganar por algum tempo…
A primeira parte do romance é ágil e engenhosa. A ousadia e brilhantismo que vão por trás dos acontecimentos são de fazer cair o queixo quando afinal nos damos conta de como a coisa toda foi feita. Importante observar também que para além do ilusionismo já pressagiado do título (em inglês e em português), a marca de Um Passe de Mágica é seu drama teatral. Vários dos personagens trabalham, de forma profissional ou amadora, com artes dramáticas, enxergando o mundo como um palco, com deixas, saídas e bastidores; outros tantos estão o tempo todo encenando papéis dentro de seus próprios dramas pessoais. Essa teatralidade tanto induz o leitor a se levar pela ilusão como trai a verdade dos fatos, uma dualidade que achei muito interessante.
O término, contudo, deixa a desejar para quem gosta de ver o confronto na resolução, as reações de todos quando escutam o caso ser destrinchado. É estranho, porque o final tem algo de quase tragédia grega e, a despeito disso, é narrado num ritmo não apenas apressado, como apático. Considerando toda a teatralidade já notada, eu realmente esperava algo mais explosivo, de tirar o fôlego e, roubada da minha expectativa, sinto-me meio frustrada.
A despeito disso, não nego que Um Passe de Mágica tenha sido, de fato, uma leitura prazerosa: mesmo quando não está em sua melhor forma, a Rainha do Crime não deixa de envolver e intrigar, de te fazer virar páginas loucamente em busca da solução do mistério.
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