Paulo Silas 11/07/2016Em meio ao caos que se instaura no processo penal brasileiro, o qual ganha cada vez mais espaço em decorrência da postura tanto ativa (mentalidade inquisitória) como passiva (conformismo) de alguns atores jurídicos, eis que o livro “Processo Penal no Limite” surge ousando contra as mazelas do sistema com sua crítica pontual e necessária. Juntos, Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa discorrem sobre diversas problemáticas no campo do processo penal, lançando luz sobre temas espinhosos, controversos e pouco refletidos, dando assim uma perspectiva de reflexão imperiosa que as abordagens feitas necessitam.
O mote é respeito aos preceitos constitucionais que devem regular o processo penal. Em que pese o Código de Processo Penal seja datado da década de 40, tem-se como necessária a realização do filtro constitucional, dada a nova orientação e estruturação basilar da Constituição Federal de 1988. Daí que a roupagem adquirida com a análise do processo penal realizada pelos autores se dá num viés democrático, insurgente contra o conforto do senso comum teórico, quebrantador de dogmas e paradigmas falaciosos que insistem em reinar no campo processual penal.
Dentre as pontuações discorridas pelos autores, tem-se o capítulo “Crise de identidade da “ordem pública” como fundamento da prisão preventiva”, no qual o termo “ordem pública” é atacado diante de sua “anemia semântica”. Isso ao considerar que sendo tal o requisito mais invocado pela magistratura brasileira a fim de justificar decisões que decretam a prisão preventiva, a ausência de concretude conceitual do termo evidencia a incongruência da coisa toda. O que vem a ser “ordem pública”, afinal de contas? Sendo o artifício mais utilizado como justificativa nas ordens de prisão preventiva, por que não se dá a importância que seria devida na determinação do que viria a ser “ordem pública”? É contra tal “crise de identidade” que os autores lançam suas críticas, evidenciando um defeito estrutural na prisão para a garantia da ordem pública, concluindo ser “substancialmente inconstitucional, embora vedete do processo penal brasileiro”.
A celeuma do reconhecimento no processo penal também ganha a análise crítica dos autores no capítulo “Memória não é Polaroid: precisamos falar sobre reconhecimentos criminais”. Considerando que as falsas memórias ainda não são estudadas a fundo no sistema pátrio, o livro contribui incutindo uma reflexão sobre a necessidade de o tema ganhar o relevo necessário. O trato e o destrato conferido ao reconhecimento no processo penal é exposto pelos autores, os quais demonstram as diversas falhas e incongruências no modo com o qual o procedimento do reconhecimento é realizado no âmbito forense. A forma de se proceder acarreta em trágicas consequências que na maioria das vezes não é observada com a atenção e cautela necessárias. Narrando a situação inclusive com a ilustração de um caso concreto em que o problema foi observado, o alerta dado é no sentido de que “a maneira como se valora, ainda, a prova, no processo penal brasileiro é medieval, como medievais são os juristas que não conseguem se atualizar.”
Em “Intempestividade das razões recursais precisa ser levada a sério”, capítulo que trata da ausência de sanção quando do descumprimento de prazos processuais, os autores clamam para que o devido processo penal seja levado a sério, vez que de nada adianta o estabelecimento de prazos a serem cumpridos no direito processual enquanto não houver medidas efetivas que sancionem o desrespeito de tais previsões. Consta na obra o resultado de um raro julgado em que tal situação foi devidamente observada, a saber, caso em que passados quase dois anos e o Ministério Público não havia ainda oferecido as razões recursais num recurso em sentido estrito, tendo se entendido como ofensa ao princípio da razoável duração do processo e consequentemente o não conhecimento do recurso.
Vários outros são os temas que ganham relevantes análises, críticas e comentários na obra (Devidos Processo Legal Substancial, Profiling Criminal, Audiência de Custódia, motivação na decisão que recebe a denúncia, Depoimento Especial, o artigo 212 do Código de Processo Penal...). É um livro conciso, mas profundo em suas exposições. Vale, e muito, a leitura!