Monique | @moniqueeoslivros 26/05/2022
Tirza
{Leitura 24/2022 - ?? Holanda}
Tirza - Arnon Grunberg
É incrível como os livros têm o poder de mexer com você. Roland Barthes dizia que um texto de fruição é "aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez até um certo enfado), faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas do leitor". Não tivesse Barthes vindo antes de Grunberg, eu diria que essa definição é sobre Tirza.
Tirza é um livro que realmente desconforta. O protagonista, Jörgen Hofmeester, é um homem de meia-idade, editor de livros, com duas filhas jovens e uma esposa que os deixou para viver um amor da adolescência. O livro começa com ele preparando sushis para a festa de formatura da filha mais nova, Tirza. Também por esses dias, sua esposa volta para casa depois de três anos.
Em meio a esses conflitos familiares, vamos conhecendo um pouco mais sobre essa família. Pai, mãe e filhas, todos eles complexos e inquietantes. Uma dica para a leitura pode ser a de prestar atenção ao narrador, já que o livro é todo narrado em terceira pessoa, e há um distanciamento importante aqui, feito com maestria.
E embora tenha quase 500 páginas, esse é um livro em que você não consegue vislumbrar o que vem a seguir, não importa em qual parte você esteja. O leitor tateia em completa escuridão, de mãos dadas com o narrador, o único que parece saber alguma coisa ali.
Tirza é uma leitura bem profunda e altamente psicológica. O cotidiano de Hofmeester vai se revelando aos poucos, mas já de cara compreendemos que, por trás de toda a aparente normalidade, tem alguma coisa que nos incomoda ali. A gente só não sabe o quê.
Não há como passar imune a essa leitura. Não há identificação com os personagens, mas ao mesmo tempo eles são tão próximos de nós que isso assusta. E nos faz vacilar, como tão bem compreendia Barthes. Além é claro, do final, que é surpreendente e inquietante.
Se você tiver oportunidade de encontrar esse livro (com o "sumiço" da Rádio Londres, está bem difícil de encontrá-lo), não deixe de o ler. Jörgen Hofmeester e sua família são daqueles personagens que a gente não esquece mais.
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Texto citado:
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4° ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.