Val Alves 22/01/2021
Últimos Sonetos publicados postumamente
Cruz e Souza teve uma vida curta e trágica. Morreu aos 36 anos de tuberculose, mas antes disso viu os três filhos pequenos morrerem também vitimados pela doença e a mulher ter um surto psicótico em decorrência do drama familiar.
Ele foi filho de escravos e, ainda menino, foi adotado pelo senhor da casa e assim pôde ter uma boa educação e estudar nas melhores escolas, aprendendo a falar três idiomas. Mesmo sendo um aluno destacado nunca conseguiu um bom trabalho, consequência do racismo ainda muito forte, e morreu na miséria. E, como não deixa de ser na maioria dos casos, só conseguiu reconhecimento depois de morto, sendo hoje considerado o poeta mais importante do Simbolismo brasileiro.
Enquanto eu lia Últimos Sonetos fiquei imaginando em que momento dessa vida amarga surgiu tanta inspiração para escrever coisas tão bonitas. Os poemas dessa obra publicada postumamente tem imagens recorrentes de estrelas, seres celestiais, chamas, a Alma, a Luz (que parece aqui substituir "o branco" das outras poesias), os sonhos, Céu, Inferno, dentre outros. O tema central é a Morte, que é retratada tanto como um abismo sombrio que causa tremores, ou como a morte em vida de alguém velho e cansado ou mesmo como a possibilidade de dar um abraço em quem já se foi.
Mesmo no leito de morte conseguiu ainda escrever seu último soneto que, como os outros, é carregado de beleza:
Sorriso interior
O ser que é ser e que jamais vacila
Nas guerras imortais entra sem susto,
Leva consigo esse brasão augusto
Do grande amor, da nobre fé tranquila
Os abismos carnais da triste argila
Ele os vence sem ânsias e sem custo?
Fica sereno, num sorriso justo,
Enquanto tudo em derredor oscila.
Ondas interiores de grandeza
Dão-lhe essa glória em frente à Natureza,
Esse esplendor, todo esse largo eflúvio.
O ser que é ser transforma tudo em flores?
E para ironizar as próprias dores
Canta por entre as águas do Dilúvio!