Karen.V 10/09/2024
Um Clássico que Desafia a Paciência do Leitor
?A Moreninha?, escrito por Joaquim Manuel de Macedo, é um daqueles clássicos da literatura brasileira que carrega a responsabilidade de ser o primeiro romance romântico nacional. Contudo, ao abrir suas páginas, o leitor logo percebe que a promessa de um amor arrebatador entre jovens estudantes não se traduz em uma narrativa envolvente, mas sim em uma mistura curiosa de ingenuidade, diálogos esticados e situações que, vistas com os olhos de hoje, soam um tanto quanto desconectadas. Em vez de um mergulho no romance, somos levados a uma espécie de passeio preguiçoso pela Ilha de Paquetá, onde personagens fazem juras de amor com a mesma seriedade que se troca figurinhas de álbum.
Logo no início, somos apresentados a Augusto, o típico protagonista galanteador da literatura romântica, que faz uma aposta ousada com seus amigos: ele nunca se apaixonará por uma mulher por mais de três dias. No entanto, o que se segue é um passeio pela ilha de Paquetá, onde o tempo parece ter parado e os personagens se perdem em diálogos prolixos e em cenários que parecem saídos de um sonho confuso. A ilha se transforma em um palco onde jovens burgueses brincam de amar e serem amados, com uma intensidade que, sinceramente, parece desproporcional ao que a narrativa realmente entrega.
A grande estrela do livro, a tal Moreninha ? que, para todos os efeitos, deveria ser a figura cativante que justifica toda a trama ?, é um enigma. Pequena, enfeitiçante e, ao mesmo tempo, tão volúvel quanto uma maré incerta, ela parece mais um arquétipo de um devaneio romântico do que uma personagem com camadas e profundidade. Ela é bonita, sim, mas sua personalidade é envolta em uma espécie de nevoeiro narrativo que faz você se perguntar: ?É só isso??. A Moreninha surge e desaparece na história com uma fluidez que beira o incompreensível, como se a própria personagem não estivesse muito interessada em protagonizar seu próprio romance.
E então, temos os diálogos. Ah, os diálogos! Às vezes, parece que estamos testemunhando um jogo de espelhos onde as palavras se repetem, os sentimentos se amplificam e, no final das contas, os personagens falam muito, mas dizem pouco. É como assistir a uma peça de teatro onde os atores esqueceram as falas, mas continuam atuando com toda a pompa possível. E talvez isso seja o grande charme e o grande problema do livro: tudo é excessivo, ornamentado, uma dança de palavras que, por vezes, gira em círculos sem nunca realmente avançar.
A narrativa, que deveria conduzir o leitor por uma jornada de descobertas e revelações, acaba se tornando uma colcha de retalhos de momentos desconexos. Os segredos e mistérios que envolvem a aposta de Augusto e o passado da Moreninha são revelados de forma tão abrupta que, quando finalmente chegamos ao clímax, o impacto é menor do que a expectativa criada ao longo das páginas. É como abrir um presente belamente embrulhado apenas para encontrar algo completamente previsível dentro.
E talvez o mais curioso de tudo seja a forma como ?A Moreninha? parece flutuar entre a modernidade e o anacronismo. O livro, publicado em 1844, tenta capturar o espírito de uma juventude ávida por amor, diversão e pequenas transgressões. Mas o que poderia ser um retrato dinâmico de uma época acaba por se transformar em um desfile de personagens que, por vezes, soam como bonecos de um tempo que já não faz sentido para o leitor contemporâneo. O romance é uma relíquia que fascina, mas não encanta completamente; uma peça de museu que olha para nós com olhos antigos e um sorriso que já perdeu parte de seu brilho.
Em resumo, ?A Moreninha? é um clássico que resiste pelo seu lugar na história da literatura brasileira, mas que não necessariamente convence pelo seu enredo. É uma experiência de leitura que nos faz questionar os valores do amor e da paixão de outras épocas, nos lembrando que nem todo romance precisa ser perfeito para ser lembrado ? mas às vezes, ser apenas lembrado não é o suficiente. É uma leitura que balança entre o doce e o estranho, entre o encantador e o desajeitado, deixando-nos com a impressão de que nem todo amor à primeira vista é eterno, e nem todo clássico é realmente inesquecível.