spoiler visualizarSapere Aude 26/03/2019
Somos Todos Miseráveis!!!
Hoje, é quase uma ofensa ver alguém investir tanto tempo num texto longo ou num livro clássico... Todos estão tão ocupados no universo paralelo dos smartphones e das redes sociais, da modernidade líquida e veloz...
Segundo Rubem Alves, ler "é fazer amor com as palavras"... Sintetizou o que há de mais instigante em ser amante: inquietação, encantamento, toque, estímulo, desejo, paciência, alegria, excitação, velocidade, prazer, repetição... Atos ou ritmos do amor e da leitura, todos pulsantes nestas 1512 páginas...
Ao ler os Miseráveis ou qualquer outro texto, vou construindo "flash cards", com os aforismos e pensamentos que me tocaram. Fiz a montagem como um quebra-cabeça, encaixando partes que julguei coerente, embora não sejam as peças cronológicas de Victor Hugo. Os fragmentos abaixo que se seguem são íntegros ao texto. Não os considere como spoilers parciais, mas pílulas de inspiração...
OS MISERÁVEIS DE VICTOR HUGO
A admirável estória de Jean Valjean, um jovem condenado por roubar um pedaço de pão e sua saga frente às galés francesas. Pode-se sair da prisão, mas não da condenação. É um erro imaginar que se esgota o destino e que se chega ao fundo do que quer que seja... Não há ervas más, nem homens maus, mas sim maus cultivadores. Jardinar: o espírito é um jardim...
O homem ainda vive mais de afirmação do que de pão. O homem tem sobre si a carne, que é ao mesmo tempo seu fardo e sua tentação. Ela o arrasta, e ele cede. Ser Santo é uma exceção; a regra é ser justo. Errem, caiam, pequem, mas sejam justos... "Põe tua esperança naquele a quem ninguém substitui". Aonde não há mais esperança, resta cantar.
Jean era de caráter pensativo sem ser triste, o que é próprio das naturezas afetuosas...Resignou-se, com aquela resignação que se assemelha à indiferença como a morte se assemelha ao sono. Amava os livros, que são amigos imparciais e seguros. O destino tem certas extremidades que vem a pique sobre o impossível e para além dos quais a vida nada mais é que precipício para sempre. Um prisioneiro da lei para sempre... A lógica mistura-se à convulsão, e o fio do silogismo flutua, sem arrebentar, na tempestade lúgubre do pensamento...
O mais ingênuo é às vezes o mais sábio, isso acontece... Sábio é aquele que, em determinado momento, sabe conduzir-se à sua própria prisão. Transformar a dor que olha a sepultura na dor que olha uma estrela...
Humanidade é identidade. Os homens são todos do mesmo barro. Nenhuma diferença, ao menos no mundo aqui de baixo, quanto à predestinação. Mesma escuridão antes, mesma carne durante, mesma cinza depois. Mas a ignorância, misturada à massa humana, a enegrece. Esse incurável negrume torna o interior do homem, e ali torna-se Mal...
A verdadeira divisão humana é esta: os que vivem na luz e os que vivem nas trevas. Diminuir o número dos que vivem nas trevas, aumentar o número dos que vivem na luz, eis o objetivo: ensino, ciência! Aprender a ler é iluminar com fogo; cada silaba soletrada cintila. De resto, quem diz luz não diz, necessariamente, alegria. Também se sofre com a luz; em demasia, queima. A chama é inimiga da asa. Queimar-se sem parar de voar, é esse o prodígio do gênio.
Em sua formidável felicidade, era lamentável, como todo ignorante que triunfa... A tirania segue o tirano. Desgraçado o Homem que deixa atrás de si a sombra de sua forma. A aurora que se segue a uma batalha sempre mostra cadáveres nus... É prova habitual da vitória deitar-se no leito do vencido... Ser frio como o gelo e ardente como o fogo...
Erigir um sentido que nos falta como fonte de verdade é um belo arrojo de cego. A felicidade precisa do inútil. A felicidade é apenas o necessário. Tempere-a com muitos supérfluos.
Tateando, uma alma procura outra alma, e a encontra. De olhos fechados, essa é a melhor maneira de se ver a alma...
Olhavam-se como se já tivessem chegado. É uma estranha pretensão dos Homens querer que o amor os conduza a algum lugar...
O amor não tem meio-termo; ou perde ou salva. Todo o destino humano está nesse dilema, perda ou salvação, nenhuma outra fatalidade o coloca mais inexoravelmente que o AMOR. O amor é a vida, se não for a morte. É berço, também é túmulo. O mesmo sentimento diz sim e não dentro do coração. De todas as coisas que Deus criou, o coração humano é o que desprende mais luz, aí! E mais escuridão.
Tudo anda torto; o Universo está implicante. É como os filhos: os que desejam, não os têm; os que não os desejam, os terão. Em suma: isso me irrita...
Homens impiedosamente satisfeitos... Sonhadores absorvidos no prodígio, bebendo na idolatria da natureza a indiferença do bem e do mal, contempladores do cosmo radiante distraídos do homem, que não compreendem como alguém ocupa-se com a fome destes, com a sede daqueles, com a nudez do pobre no inverno, com a curvatura linfática de uma pequena espinha dorsal, com o cárcere, com os andrajos dos jovens trêmulos, quando se pode sonhar sob as árvores; espiritos pacíficos e terríveis, impiedosamente satisfeitos...
Este livro é do inicio ao fim... A caminhada do mal para o bem, do injusto para o justo, do falso para o verdadeiro, da noite para o dia, do apetite para a consciência, da podridão para a vida, da bestialidade para o dever, do inferno para o céu, do nada para Deus... Ponto de partida: a matéria; ponto de chegada, a alma. Hidra no inicio, anjo no fim...
Amar ou ter amado é o bastante. Não peçam mais nada depois. Não há outra pérola que se possa encontrar nas dobras obscuras da vida. O amor é uma realização!!!
VICTOR HUGO, 1862
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