xzsatur.no 10/08/2024
?Não basta destruir os abusos;
é preciso mudar os costumes.?
?Existe uma coisa que é maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: é o interior de uma alma.?
Victor Marie Hugo (1802-1885), nascido em 26 de fevereiro de 1802 em Besançon, França, é um dos pilares da literatura mundial e uma figura central do romantismo francês. Filho de um general do exército de Napoleão e de uma mãe profundamente religiosa, Hugo cresceu em um ambiente marcado por fortes contrastes ideológicos, o que influenciou sua visão de mundo e sua produção literária. Desde cedo, revelou um talento extraordinário para a escrita, e aos 20 anos já havia publicado sua primeira coletânea de poemas, que lhe trouxe reconhecimento imediato. Ao longo de sua prolífica carreira, Hugo destacou-se não apenas como poeta e romancista, mas também como dramaturgo, ensaísta e político. Sua obra é caracterizada por uma profunda sensibilidade social e um forte compromisso com a justiça, a liberdade e a dignidade humana. Seus romances e peças de teatro abordam temas como a opressão, a desigualdade social, e a luta por redenção, sempre com um olhar compassivo sobre os mais marginalizados. Exilado durante quase duas décadas devido à sua oposição ao regime de Napoleão III, Hugo continuou a escrever com fervor, denunciando a tirania e defendendo os direitos humanos. Durante este período, produziu algumas de suas obras mais importantes, incluindo ?Os Miseráveis?, ?O Corcunda de Notre-Dame? e ?Os Trabalhadores do Mar?. Victor Hugo faleceu em 22 de maio de 1885, em Paris, e seu funeral foi um evento de comoção nacional, refletindo o imenso impacto que sua vida e obra tiveram na França e no mundo. Enterrado no Panthéon, ao lado dos maiores heróis da nação, Hugo deixou um legado imortal, com suas obras continuando a inspirar gerações por seu apelo universal e sua profunda humanidade.
?Os miseráveis?, amplamente reconhecida como uma das maiores obras da literatura francesa, foi escrita por Victor Hugo e publicada pela primeira vez em 30 de março de 1862. Este monumental romance mergulha nas profundezas da condição humana e das injustiças sociais do século XIX. Ao longo de mais de 1.900 páginas, Hugo nos presenteia com um vasto e detalhado mosaico de personagens e eventos que simbolizam a luta pela justiça e a incessante busca por moralidade e humanidade. Com narrativas que se entrelaçam, o livro é dividido em cinco grandes partes, cada uma explorando diferentes aspectos dessa jornada épica.
Parte I: Fantine (Tomo I)
A história de ?Os Miseráveis? começa em 22 de outubro de 1815, quando Jean Valjean é libertado após cumprir 19 anos de trabalho forçado. Seu crime original foi roubar um pão para alimentar seus sobrinhos famintos, mas suas repetidas tentativas de fuga aumentaram significativamente sua sentença. Agora em liberdade, Valjean carrega o estigma de ex-condenado e é constantemente rejeitado pela sociedade. Sem rumo e desesperado, ele encontra abrigo na casa do Bispo Charles-François-Bienvenu Myriel, em Digne. Durante a noite, tomado pelo ressentimento, Valjean rouba os talheres de prata do bispo e foge. Quando é capturado pela polícia, o bispo, de forma inesperada, confirma que a prata foi um presente e ainda entrega a Valjean dois castiçais de prata, aconselhando-o a usar o dinheiro para se tornar um homem honesto. Esse ato de imensa bondade provoca uma profunda crise moral em Valjean, que decide mudar de vida. Ele rasga seu documento de liberdade condicional, assume uma nova identidade e se transforma em Monsieur Madeleine.
Em Montreuil-sur-Mer, Valjean, agora como Monsieur Madeleine, se estabelece como um empresário bem-sucedido, dono de uma fábrica, e é nomeado prefeito da cidade devido à sua generosidade e competência. Simultaneamente, somos apresentados a Fantine, uma jovem ingênua que, após ser seduzida e abandonada por seu amante Tholomyès, fica sozinha para cuidar de sua filha, Cosette. Desesperada e sem recursos, Fantine confia a guarda de Cosette a um casal de estalajadeiros, os Thénardier, em Montfermeil, na esperança de que a tratem bem. No entanto, os Thénardier são cruéis e gananciosos, maltratando Cosette e explorando Fantine, exigindo cada vez mais dinheiro com base em mentiras e falsos pretextos.
Fantine trabalha na fábrica de Monsieur Madeleine, mas, ao ter sua condição de mãe solteira descoberta, é demitida. Sem opções para sustentar sua filha Cosette, ela começa a vender seus cabelos e dentes, e eventualmente recorre à prostituição. Sua vida rapidamente se deteriora em uma espiral de desespero e miséria. Fantine é presa injustamente por Javert, o severo inspetor de polícia, após atacar um cliente que a havia humilhado. Como prefeito, Valjean intervém para libertá-la, reconhecendo a injustiça que ela sofreu. Compadecido com sua situação, Valjean promete resgatar Cosette e cuidar dela, buscando reparar o sofrimento de Fantine.
Enquanto isso, um homem chamado Champmathieu é preso por roubo e erroneamente identificado como Jean Valjean. Javert, que sempre suspeitou de Monsieur Madeleine, comunica ao prefeito sua descoberta e, em um gesto de honra, admite ter denunciado Madeleine como sendo Valjean. Confrontado com esse dilema moral, Valjean passa por uma crise de consciência profunda. Ele decide se entregar para salvar o inocente Champmathieu, revelando sua verdadeira identidade no tribunal. Após o julgamento, Valjean escapa para resgatar Cosette, mas antes garante que Fantine receba o cuidado adequado em seus últimos momentos. Fantine morre acreditando que verá sua filha, enquanto Valjean é forçado a fugir novamente, sendo implacavelmente perseguido por Javert.
?Assim, durante os dezenove anos de tortura e escravidão, essa alma, ao mesmo tempo, elevou-se e tornou a cair. Por um lado, entrou na luz, por outro, perdeu-se na escuridão. Jean Valjean, como vimos, não era de natureza perversa. Quando chegou às galés, ainda se conservava bom. Mas agora condenava a sociedade e sentia que se tornara mau; condenava a Providência e percebia que se tornara ímpio. Neste ponto, é difícil deixar de refletir por um momento. A natureza humana pode transformar-se tão completamente? O homem criado bom por Deus pode tornar-se mau pelo homem? Pode a alma ser completamente mudada pelo destino, tornar-se má, quando este não é bom??
Parte II: Cosette (Tomo I)
Cosette, a filha de Fantine, vive uma infância marcada por abusos e negligência sob a custódia dos cruéis Thénardier. Tratada como uma criada e desvalorizada em contraste com as filhas dos Thénardier, Éponine e Azelma, Cosette, conhecida como ?a Alondra? por sua resiliência e esperança, mantém-se forte. Em uma noite de Natal, Valjean a encontra enquanto ela busca água na floresta. Tocando-se de sua dor e coragem, ele decide cumprir a promessa feita a Fantine e resgata Cosette, pagando uma soma considerável para garantir sua liberdade. Valjean e Cosette então se mudam para Paris, onde vivem em total anonimato. Valjean trata Cosette com o carinho de um pai, e entre eles se desenvolve um vínculo profundo e afetuoso. Para evitar ser descoberto por Javert, Valjean mantém uma vida discreta, mudando frequentemente de residência. Ele dedica-se a ensinar Cosette a ler e a amar, protegendo-a do mundo exterior. Eles encontram um lar tranquilo em uma casa no convento Petit-Picpus, onde vivem serenamente por vários anos. Valjean trabalha como jardineiro, enquanto Cosette recebe uma educação religiosa e cresce sob sua cuidadosa orientação.
Parte III: Marius (Tomo I)
Marius Pontmercy é introduzido como um jovem estudante em Paris. Filho de Georges Pontmercy, um coronel bonapartista, Marius é separado de seu pai por seu avô, Monsieur Gillenormand, um monarquista radical que condena as ideias revolucionárias de Pontmercy. Criado sob a influência de seu avô, Marius adota valores monárquicos. Contudo, ao descobrir a verdadeira história de seu pai, Marius se volta para as ideias republicanas e rompe com seu avô, optando por uma vida modesta como estudante de direito. Marius se junta aos ?Amigos do ABC?, um grupo de estudantes revolucionários liderados por Enjolras, dedicados à causa republicana e ao planejamento de uma insurreição contra o governo monárquico. Durante seu envolvimento com o grupo, Marius encontra Cosette em um parque e se apaixona à primeira vista. Ele começa a seguir Cosette, mas, preocupando-se com a segurança dela, Valjean decide mudar-se para uma nova residência.
?Para que serve estar tão alto se não vemos nada além da ponta do nariz do nosso próximo? Vivamos alegremente. A vida é tudo. Que o homem tenha outra vida em outro lugar, no alto, embaixo, em qualquer parte, não creio que seja má doutrina.?
Enquanto isso, a família Thénardier, após a perda de sua estalagem, cai em desgraça e se estabelece em Paris como criminosos. Thénardier, agora chefe de uma gangue, planeja um assalto à casa onde Valjean e Cosette moram. Marius, que vive na mesma área, descobre o plano e tenta intervir, mas Valjean já havia decidido mudar-se. Com a tentativa de roubo falhando, Thénardier e sua gangue são presos. Reconhecendo Thénardier como o homem que salvou seu pai na Batalha de Waterloo, Marius decide ajudar o criminoso anonimamente.
Parte IV: O Idílio da Rue Plumet e a Epopeia da Rue Saint-Denis (Tomo II)
Os ?Amigos do ABC? lideram uma insurreição durante a Revolta de Junho de 1832, erguendo barricadas nas ruas de Paris. Marius, desesperado pela ausência de Cosette e decidido a morrer na batalha, se junta à luta. Valjean, ao descobrir a participação de Marius, decide segui-lo até a barricada para protegê-lo.
Durante os combates, Marius se destaca heroicamente, mas é gravemente ferido. Valjean, disfarçado, luta ao lado dos revolucionários e, em um momento crucial, salva Marius ao levá-lo pelos esgotos de Paris. Nos esgotos, Valjean enfrenta intensos sofrimentos físicos e morais enquanto carrega o corpo inconsciente de Marius e é perseguido por Javert.
Quando Valjean se depara com Javert nos esgotos, o inspetor está dividido moralmente. Incapaz de reconciliar sua devoção à lei com a compaixão que sente por Valjean, que lhe havia poupado a vida, Javert enfrenta um dilema insuportável. Impossível de resolver essa contradição interna, ele se suicida jogando-se no Sena, libertando Valjean de sua perseguição.
Parte V: Jean Valjean (Tomo II)
Valjean entrega Marius à sua família, que cuida dele durante sua recuperação. Marius, inconsciente dos sacrifícios de Valjean, acredita erradamente que ele é um criminoso perigoso e consente com a decisão de Valjean de se afastar de Cosette. No entanto, com o tempo, Marius descobre a verdade sobre Valjean através de Thénardier, que tenta chantageá-lo com informações falsas. Marius então percebe que Valjean é o verdadeiro herói que o salvou e que sacrificou tudo por amor a Cosette.
?A luz que nos iluminava por trás estava disposta de tal modo que você a via branca e ela via apenas a silhueta escura do interlocutor. Essa luz era um verdadeiro símbolo. Contudo, os olhos mergulhavam avidamente naquele vazio aberto num lugar vedado a todos os olhares. Uma espessa névoa envolvia aquela forma vestida de luto.?
Determinados a encontrar Valjean, Marius e Cosette o procuram e o encontram em estado debilitado e à beira da morte. Eles o levam de volta para casa, onde Valjean morre em paz, cercado pelo amor de Cosette e Marius. Em seus últimos momentos, ele se sente reconciliado com seu passado, sabendo que sua vida teve significado através do amor e do sacrifício.
A narrativa de ?Os Miseráveis? explora profundamente temas como justiça, redenção e luta social por meio de uma complexa rede de personagens interligados e subenredos entrelaçados com a trama principal. O romance é estruturado de maneira rica e multifacetada, com um grande enfoque em detalhes históricos e sociais. Victor Hugo adota uma abordagem quase documental, incorporando eventos históricos reais e reflexões filosóficas que ampliam a compreensão da França do século XIX. As descrições minuciosas de cenários, eventos históricos e personagens secundários enriquecem a narrativa, oferecendo uma visão panorâmica da sociedade da época. A escrita de Hugo é marcada por descrições vívidas e uma exploração profunda das emoções e conflitos internos dos personagens. Ele combina prosa poética com um realismo contundente, alternando entre passagens líricas e trechos que revelam a crueza da vida. Através de simbolismos e metáforas, Hugo aprofunda a análise social e moral da obra. Os ambientes descritos, como subterrâneos e bairros pobres, não servem apenas como cenário, mas também refletem o estado psicológico e social dos personagens.
Além disso, ?Os Miseráveis? é uma crítica incisiva às instituições e injustiças da sociedade francesa do século XIX. O livro denuncia o sistema penal opressor e a ineficácia da lei em promover verdadeira justiça, como exemplificado pela perseguição incessante a Jean Valjean. A obra critica a desigualdade social extrema e a falta de empatia institucional para com os pobres e marginalizados. Hugo também questiona a moralidade rígida e a hipocrisia das normas sociais e religiosas, sugerindo que a verdadeira moralidade reside na compaixão e na compreensão, em vez de conformidade cega às regras. Através de seus personagens e enredos, Hugo apresenta uma visão crítica das instituições de poder e dos sistemas sociais que perpetuam a opressão e a injustiça.
Li este livro exatamente cinco meses atrás e lembro que, ao terminá-lo, não consegui conter as lágrimas. Não sou de chorar com livros, mas ?Os Miseráveis? tocou-me profundamente. Desde o início, sua narrativa e escrita foram marcantes, oferecendo uma experiência de leitura inesquecível. Sabe aquele livro que te deixa triste apenas pelo fato de estar acabando? Foi exatamente isso que senti, da mesma forma que experimentei ao ler ?O Conde de Monte Cristo? recentemente. A leitura é intensa e repleta de críticas sociais, principalmente sobre desigualdade e pobreza. É uma realidade dura, que muitos não têm a consciência ou a capacidade de enxergar devido à ignorância e preconceito. A sociedade pode ser cruel e cega, muitas vezes ignorando as desigualdades que se manifestam diariamente. Enquanto alguns viajam para países exóticos, há pessoas que enfrentam a dura realidade de viver nas ruas, catando latinhas para conseguir um pouco de dinheiro e sobreviver. Empresários importantes podem estar atrasados no trânsito, enquanto alguém tenta vender balinhas em um sinal vermelho. Cada um com sua própria realidade, e a de muitos é profundamente triste. E assim como Jean Valjean, que roubou um pão para alimentar seus sobrinhos famintos, muitos enfrentam situações similares na vida real. ?Morrer não é nada; não viver é que é horrível!? Desde que li ?Os Miseráveis? pela primeira vez, ele se tornou um dos meus livros favoritos e continua sendo. Amo profundamente e recomendo fervorosamente que você, caro leitor, também o leia. É uma obra verdadeiramente fantástica!
?A geração que atualmente passa pela Terra não está forçada a abreviá-la pelas gerações, aliás, iguais a ela, que mais tarde deverão vir à Terra: Eu existo, murmura esse alguém que se chama Tudo. Sou jovem, amo; sou velho, quero repousar; sou pai de família, trabalho, progrido, faço bons negócios; tenho casas para alugar, emprestei dinheiro ao Estado, sou feliz, tenho mulher e filhos, gosto de tudo isso, quero viver, deixem-me tranquilo. Por isso, em certas horas, o frio profundo com que são recebidos os magnânimos vanguardistas do gênero humano.?