Rafael 30/11/2023
Do you hear the people sing?
A cada página se percebe que o cara é um gênio!
Victor Hugo entrecruza histórias e, principalmente, personagens como ninguém. São tantas reviravoltas e tantas reflexões que os próprios personagens se fazem pelo caminho que conseguimos penetrar a mente humana, suas angústias e incoerências. Ele leva seus personagens ao fundo do poço - ou do esgoto - financeira e moralmente de uma forma impressionante. Apesar de eu falar que são tantas e tantas e apesar de o livro ser um calhamaço, a jornada de Jean Valjean, Fantine, Cosette, Marius, Javert, Gavroche e dos Thénardier não cansa. Pelo contrário, instiga.
Para além das histórias particulares de seus personagens, Hugo faz uma crítica social ferrenha de seu tempo, questionando o mal, a presença e a truculência do Estado, as disparidades econômicas, as condições sub-humanas da classe trabalhadora, dentre outros abusos sociais. Seu olhar aguçado e seus anos de pesquisa e observação permitiram a ele traçar um panorama da França do início do século XIX. E é também como um escritor do século XIX que ele é influenciado pelo Romantismo em sua escrita, com as grandes dualidades da humanidade: bem e mal, divino e profano, pureza e depravação. Vemos isso em todos os personagens, mas principalmente no protagonista e em seu "antagonista", Jean Valjean e Javert.
A análise minuciosa de seu tempo é excelente. No entanto, para mim, foi tediante às vezes. Isso porque a obra traz capítulos e até "livros" - como é dividido - inteiros sobre batalhas e governantes. É importante para a obra? Sim. Gostaria que não existissem esses capítulos? Não. Acho que a obra é boa como é. Porém isso a torna cansartiva.
Outra característica que a torna cansativa é a quantidade absurda de referências à cultura ocidental. Victor Hugo vai de poetas a generais, de políticos a pintores, de esposas de homens importantes a teólogos, e por aí segue. Ele era uma enciclopédia viva. Admirável, de verdade, mas cansativo, porque a narrativa não flui se a todo momento o leitor precisa se munir de referências históricas.
Embora eu tenha feito todas essas ressalvas, a leitura desse clássico valeu muito a pena. É uma obra-prima e, como diria Isabela Boscov, "há de se tirar o chapéu". Por falar em Boscov, crítica de cinema, meu primeiro contato com essa narrativa foi através do filme musical de 2012 dirigido por Tom Hooper com um elenco divino. O musical me deixou com uma pulga atrás da orelha para ler o original. Mas só onze anos depois eu criei a coragem para encarar o livro. Hoje, tendo apreciado as duas obras, digo que a adaptação para o cinema é encantadora, consegue capturar bem a essência dos personagens e o desenrolar dos principais acontecimentos. Também vale a pena.