spoiler visualizarVans 27/03/2016
A civilização Inca
Vanessa Silva Gordiano
Henri Favre é autor do livro A civilização Inca, o qual faz parte da coleção denominada As civilizações pré-colombianas. É também, pesquisador do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique) e professor do Instituto de Altos Estudos sobre a América Latina; é um etno-sociólogo, especializado em América Latina, onde estudou, em especial os maias do México e dos quíchuas do Peru.
Em sua obra A civilização Inca, Favre trata da dominação Inca sobre o planalto e a planície costeira dos Andes, onde eles passam de confederação a império, abordando como se deu o seu estabelecimento até a sua queda com a chegada dos espanhóis em 1532. O autor problematiza inicialmente em seus dois primeiros capítulos, como surgiram os povos incas; como ocorreu a inserção dos recém-chegados na confederação cuzquenha; como se deu às conquistas e como eram vistas pelos povos; qual a necessidade que impulsionava Cuzco a reunir em torno de si tantas terras; e o significado por uma sede de conquista. Nos capítulos seguintes ao falar sobre a economia do império, ele questiona o caráter social e econômico, o Império era socialista ou totalitário? Tinha caráter feudal, patriarcal ou escravagista? E por fim, procura estabelecer razões que levaram os espanhóis a conseguir realizar uma fácil dominação dentro do império.
A origem dos Incas é colocada pelo autor como obscuras, onde desempenharam a figura de intrusos durante muito tempo na região. Sua expansão tratada como tardia, só começou em meados do século XV sob o reinado de Pachakuti, que lhes assegurou a herança de uma tradição cultural que muitos povos, como os Chavins, os Tiahuanacos, Huaris e Chimus, haviam contribuído. Os incas se reconheciam como paqarina, matriz tribal de onde acreditavam originar-se seu ancestral-fundador. A paqarina da etnia inca era, segundo cronistas espanhóis, a gruta Paqariqtampu, de onde havia saído quatro irmãos, sem pai nem mãe, sem terras nem bens, que perambularam por longo tempo entre Tampukiro, Pallata e Hayskisro. Segundo as crônicas, Manko Kapaq lançava um bastão de ouro em diversas direções a fim de determinar o lugar que marcava o fim da marcha errante. Estabeleceu-se finalmente em Wanaypata onde construiu a cidade de Cuzco, reuniu então as populações esparsas que segundo ele, viviam na barbárie, e que precisavam penetrar na civilização. Porém, quando os Incas penetraram nessa região, outras tribos já haviam fixado suas aldeias, assim, o mito dos irmãos Ayar aparece como uma elaboração tardia. O mito visava atribuir uma origem comum aos ancestrais-fundadores de quatro etnias diferentes que haviam se confederado, tendo como principal função, justificar a situação política de Cuzco após a chegada dos incas, e não descrever o itinerário que estes teriam empreendido. Segundo Favre, os incas ocuparam uma posição subordinada, em relação aos Sawasiray, aos Allkawisa e aos Maras, ou talvez mesmo de dependente. As relações da confederação são postas pelo autor como, opositora e desequilibrada. No decorrer do século XIV, as cidades confederadas acabaram sendo subordinadas aos incas, e foram perdendo pouco a pouco sua autonomia, e acabou se fundindo em um Estado unitário. Através das chefias de guerra conseguiram incorporar dezenas de aldeias periféricas, conquistaram terrenos de coca e milho de Calca; invadiram territórios submetendo-os a sua dependência, garantindo assim o acesso dos Incas ao planalto. Assim o Estado inca tornara-se um poder que só crescia cada vez mais. Os imperadores conseguiram eliminar os Chankas, vitória que foi atribuída à intervenção da divindade solar, a partir daí passam a ser considerado um Império. Após a conquista dos Chankas, houve vários ataques a outras tribos, colocando o Estado inca em uma situação política delicada. Venceram os Anqara, os Wanka e os Wayla, e logo após, Tupa Yupanki penetrou em Cajamarca; Conquistaram ainda a metrópole de Chanchan, e de forma misteriosa, conseguem derrotar os Chimu. Chegaram a conquistar também, Quito e Manta. Em 1470, finaliza o reinado de Pachakuti, que foi considerado grande conquistador, e organizador de terras e de povos. Seus sucessores continuaram conquistando mais territórios, mas não com a mesma glória.
Em menos de um século a confederação cuzquenha liderada pelos Incas, fundou o mais vasto Império da América pré-colombiana. O império era composto por centenas de grupos étnicos de importância desigual, que se diferenciavam pela língua e cultura.
Favre põe em questão, o que impulsionava a sede de conquista desses povos. As justificativas segundo ele aproximam-se das mesmas européias, ...diziam-se investidos de uma missão civilizadora junto às populações dos Andes que ainda estavam mergulhadas na barbárie. Os incas são vistos desta forma, como não excepcionalmente agressivos, não parecendo ter demasiado as funções militares.
Nos textos revelados no século XVI por Cristobal de Molina, a guerra é designada como um flagelo e paz, como o bem supremo concedido pela benevolência dos deuses. É verdade que essa paz resultava de combates e se instaurava em conseqüência de episódios sangrentos e atos de real ferocidade. Os chefes inimigos vencidos eram trazidos para a capital com suas armas e seus ídolos para serem lançados aos pés do imperador, que desse modo celebrava o seu triunfo. Eram depois decapitados, fazendo-se vasilhames de bebida com seus crânios, flautas com seus ossos, colares com seus dentes e tambores com sua pele.
Outro autor que relata sobre essa crueldade exercida pelos Incas e dessa meta de levar a civilidade aos povos, é Jorge Luiz Ferreira. Ele traz esses aspectos de uma maneira não muito diferente de Favre. Segundo Jorge L. Ferreira, os povos conquistados eram submetidos à dominação e tributação, e os chefes das comunidades derrotadas eram levados a Cuzco, sendo pisoteados pelo Inca até a morte, e fala também sobre o uso das partes do corpo, assim como os textos de Cristobal.
Ao tratar sobre a economia, sociedade e Estado surge alguns questionamentos já carregados por outros historiadores. Como era vista a sociedade e economia do Império Inca? É certo comparar ao socialismo ou totalitarismo? Ou ser considerado de caráter feudal, patriarcal ou escravista?
Favre chega à constatação de que os documentos utilizados por outros historiadores e pesquisadores, são visitas, ou seja, relatórios administrativos redigidos no século XVI por funcionários espanhóis. Sua investigação permitiu ao etno-historiador John Murra projetar pesquisas sob novos enfoques. Os resultados constataram que a sociedade andina na época inca manifestava-se, menos analogia com as sociedades de Europa antiga e medieval, com as quais era comparada, do que com as da África e Oceania modernas e contemporâneas.
A partir de tal constatação, Favre descreve os fundamentos econômicos da sociedade. Tinha-se o ayllu como principal fundamento da sociedade, era representado por aldeias formadas por conjuntos de famílias unidas por laços de parentesco ou de aliança. A família era reduzida ao casal e seus filhos, que representavam a unidade de produção e consumo no interior na qual se operava a divisão do trabalho. A mulher era competida o trabalho de cuidar da habitação, e aos homens era cabido o trabalho da lavoura, e algumas atividades artesanais. Cada ayllu tinha um chefe que era chamado de Kuraka, que era geralmente o fundador do grupo. O papel do kuraka era a de distribuição de terras, organizar trabalhos coletivos e regular os conflitos. O ayllu reconhecia também, a divindade tutelar, ou waka, ancestral do kuraka. Possuía um território, ou marka. As pastagens da marka estavam dispostas livremente para cada família. O tupu era a superfície necessária ao sustento de uma pessoa, a depender da terra e da necessidade de repouso dela, e podia ter dimensões diferentes para cada pessoa. Havia também o ayni, que era a forma mais usual que tornava a ajuda recíproca. O beneficiário do ayni devia restituir aos colaboradores a quantidade exata de trabalho deles recebida quando o pedido lhe fosse feito. Pertencer a um ayllu criava obrigações e conferia direitos sobre o trabalho da coletividade. O caráter de socialista do Estado Inca, surge nessa forma de solidariedade grupal.
O ayllu não era a forma superior de organização social, constituía apenas o elemento sobre o qual era construída a sociedade andina. Os ayllu situavam-se em redes de relações assimétricas. Os chefes dos ayllus dependentes eram submetidos aos chefes dominantes, que agia como o kuraka de todos os ayllu. Favre trata bem detalhadamente a questão de estruturação e organização dos ayllu, com exemplos distintos de seu funcionamento, que baseava a sociedade inca.
A população do ayllu era ligada ao kuraka da chefia centralizada por uma série de obrigações que marcavam a subordinação em que se mantinha. Cada ayllu deveria cultivar as terras que o kuraka detinha em seu território em virtude dos direitos que haviam sido concedidos. Os trabalhadores revezavam-se nos trabalhos que lhes eram designados, de forma a prestar ao kuraka um serviço contínuo. Todos os homens eram obrigados rotativamente a esse serviço, conhecidos como mita, cuja duração oscilava de três em três meses. O kuraka era beneficiário de prestações em trabalho, isto é, corvéias, porém não tinha o direito de exigir prestações em espécie, ou seja, tributos.
Favre não trata muito sobre o fator tributário da civilização inca como o autor Jorge L. Ferreira, que vem abordar em seu livro, Incas e astecas: culturas pré-colombianas, um tópico específico sobre a tributação. Jorge ao falar sobre as relações comerciais relata que se baseavam na simples troca, por não conhecerem a moeda, e o tributo devido ao Inca assegurava a circulação de bens por todo o império. O casamento como forma de ser inserido no ayllu, era também uma maneira de ser inserido na rede de tributação estatal. Ferreira trás três tipos de tributos entre os Incas, que as comunidades deviam ao Estado. O primeiro era o trabalho coletivo nas terras do Inca e do Sol. O segundo era o serviço pessoal temporário, a mita; que segundo Favre não era considerada como tributo. O terceiro tributo era o têxtil, que tinha ao mesmo tempo, uma função econômica e um ritual religioso.
Já com relação a estrutura de Estado, é vista como mítica e ideológica. A capital dividia-se em duas linhas imaginárias que cruzavam seu centro e se prolongavam até as fronteiras, dividindo o Império em quatro seções, assim como na confederação asteca, o que lhe dava o nome de Tawantinsuyu, ou seja, as quatro terras. Tem-se essa visão pelo fato de terem conservado tal marcação pelas origens tribais. No entanto, o império se fundamentava como integrador da ordem social tradicional; e operava a síntese da organização piramidal e segmentária das etnias andinas. A partir desse ponto, Favre descreve todo o papel e obrigações do imperador, além de mostrar a maneira como o Estado mantinha o controle burocrático da demografia; como se dava a integração da população na corvéia, utilizando isso para a realização de construções de pontes e estradas. Fala ainda da rede viária e o serviço de correio, ou tampu; e também da política de migrações forçadas, que permitiu a extensão da tribo sobre as terras que ambicionavam; essa população que migrava se chamava mitmaq. Havia também os yana e as aqlas. Os yana ligavam-se exclusivamente ao imperador ou a pessoas de nível elevado; já as aqlas, eram mulheres escolhidas que ficavam em monastérios do Sol, onde eram educadas e depois eram dadas em casamento, ou permaneciam nos monastérios tendo funções religiosas ou participando de oficinas têxteis. Foi no reinado de Wayna Kapaq que essas três classes passaram a constituir uma força de trabalho que assegurava ao poder a produção em massa nas atividades econômicas. Segundo Favre, a ordem tribal hierarquizada nesse ponto começava a se desagregar sob pressão de uma nova sociedade, engendrada pela ação da estrutura de Estado que estava ligada.
Em dois de seus capítulos, no livro A civilização Inca, H. Favre vem trazer com mais profundidade o funcionamento do poder imperial, falando sobre, os soberanos, como ocorria o processo de sucessão, as burocracias, quais os agentes do poder, como se dava a questão hereditária no poder. Vem falar ainda sobre a sede do poder, quais celebrações tinham que ser feitas e como faziam; e ainda traz um pouco sobre a cultura, a literatura, a música, a dança, o artesanato, como utilizavam da matemática e da astronomia, as características na arquitetura, as grandes construções de cidades, como construíam suas casas, e também sobre a fabricação de cerâmicas, da tecelagem, e da habilidade que tinham com a metalurgia e sua importância na América pré-colombiana.
Por fim, chega-se a um questionamento final, o que levou os espanhóis a ter uma certa facilidade em dominar e acabar com o Império Inca? Em 1528, com a morte de Wayna Kapaq abriu-se como de costume um novo interregno, as chefias rebelaram-se, o Império deslocou-se e o poder central ruiu. Restava nesse momento os dois filhos do falecido imperador, Ataw Wallpa e Waskar, para lutar pelo cargo de imperador. Waskar dispunha do apoio do sul, no seio da etnia inca; já Ataw Wallpa dispunha do apoio ao norte. As lutas pelo poder começou, quando os espanhóis desembarcaram na ilha de Puná, chegando a Tumbes. A expedição de Pizarro, já havia sido planejada e preparada anos antes, quando explorou as costas do Peru, conseguiu recolher informações bastante necessárias e importantes. Isso fez com que a chegada de Pizarro não surpreendesse tanto aos que já haviam sido visitados por eles. Ataw Wallpa e seu exército não se preocuparam muito com a chegada dos espanhóis, ao contrário de Waskar que viu a situação como uma intervenção sobrenatural para com os acontecimentos, e que pode ser capaz de reverter a situação em que se encontravam. Surgiu nesse ponto, uma aliança entre Waskar e os espanhóis. De acordo com Favre, os espanhóis conseguiram cruzar a vertente ocidental da primeira cordilheira sem encontrar resistência, o que fez com que conseguissem chegar até Cajamarca em 1532. Com a aliança feita com Waskar, Pizarro elaborou um plano para realizar o sequestro de Ataw Wallpa, cujo plano funcionou. Conseguiu assim reunificar o império, porém Waskar encontrou-se em poder dos espanhóis: ficou então sendo prisioneiro de Pizarro assim como Ataw Wallpa. Porém, após o domínio espanhol, as rebeliões dentro do império continuaram; houve a tentativa de troca por liberdade de Ataw Allpa, mas acabou que os dois foram condenados amorte por Pizarro. Por fim houve as guerras na tentativa de reconquista do império em 1536- 1545, feita pelos povos que resistiam à dominação; e uma última resistência em 1545 1572. Foi com a morte Manko, que os Incas refugiaram-se, pois ficava claro que eles não podiam escapar da dominação espanhola, transmitindo assim toda a sua herança para os estrangeiros.
Henri Favre conseguiu em seu livro A civilização Inca, mostrar como se deu a ascensão de um império que mostrava-se dominador e civilizador, mas também mostrar suas fragilidades, que acabaram por causar o seu declínio. Deixou de forma bem clara e bem detalhada todo o funcionamento de uma sociedade que hoje não se consegue enquadrar em nenhum outro modelo já existente, apontando características próprias e distintas, com apenas alguns pontos parecidos com outras sociedades. Definiu bem como se dava a organização do poder central, da hierarquização, do funcionamento dos cargos, as principais atividades econômicas. Além de trazer também um pouco da cultura, educação, arte, e desenvolvimento urbano de tal sociedade. Favre trouxe uma visão diferenciada de outros autores como Jacques Soustelle e Tzvetan Todorov, em questão da conquista e dominação, mostrando que houve sim uma aceitação inicial dos espanhóis, mas logo após surgiu uma resistência, uma tentativa de reconquista de território, que infelizmente não conseguiram e que de certa forma colaborou ainda mais com a dominação espanhola.