anapachecoeumsm 28/05/2024
Utopia romântica versus mundo material
Alencar aqui criou sua melhor protagonista urbana entre as três, dando a ela o corpo de uma esperança do romantismo tardio e a construção de personalidade orgulhosa de um Império que se formava à frente dele.
Entendo as pessoas que não gostam de Alencar, seja pelo didatismo quadrado e mal formador do ensino médio, seja pela linguagem rebuscada e pela falta de edições que abracem esse vocabulário extenso com notas de rodapé e bons textos de apoio. É torcer pra que uma editora como a Antofágica, por exemplo, passe a olhar o autor com bons olhos.
Diante de todas as críticas, reli Lucíola e me emocionei, mas aqui em Senhora a história é teatral. Foi a primeira leitura e voltarei pra ver se é aquele tipo de livro que se engrandece.
Dá pra ver que ele bebe muito do romance trágico inglês, ao passo que tenta remontar as críticas dos romances franceses que surgiam, tudo isso de maneira teatral que tenta remontar o melhor de Shakespeare. Aqui temos o melhor do romantismo de Alencar: uma mocinha forte, um protagonista dúbio, desprezível, personagens secundários em suas próprias morais e princípios materiais se chocando a todo momento contra ideais românticos.
Não tem como não torcer pra Aurélia, ela sim é uma Diva com D maiúsculo, a estrela da obra de Alencar.
Seixas é aquele personagem que posteriormente seria recalculado como o retrato da sociedade brasileira, é um pré-Brás. Mas você acaba gostando dele, torcendo pelos amores, tentando entender onde essa novela das 18h da Globo vai levar. Tem cenas de passar raiva, de querer chorar pelas turbulências, de torcer pelo casal e até se envergonhar com a química deles, melhor que muito romance "de época" por aí.
Além disso, a trama burlesca capitalista que retrata a mercantilização das relações nada mais é do que uma previsão do que o mundo, e pior, as relações afetivas se tornariam, tornando o livro atemporal. O pé do Alencar nesse momento estava tentando pisar no chão realista, ainda que não soubesse, ainda que alguns discordem e não acho que o final ser idealizador mude qualquer característica levemente experimentadora do realismo crítico.
O livro se divide em quatro partes que se explicam por si em relações contratuais, num arremate meio teatral, mas muito cinematográfico, onde o narrador faz jogos de cena estáticos de ir e voltar pro passado e pro presente e modular a narrativa através de uma espécie de quadro que vamos acompanhando.
Espero que as pessoas se abram pras personagens românticas fortes como a época permitia e abram a mente pra além daquilo que o ensino médio fala do Alencar. Que a Academia ouse olhar pra ele novamente com bons olhos, o reler.
Entendo quem possa não gostar do livro pelas polêmicas do autor, por seus erros e que há certo anacronismo em chamar ele de feminista com todas as letras, mas está aí a chance que todos deveriam dar, de coração aberto a essa trama digna de televisão:
Aurélia É uma personagem feminista que ousou amar num mundo dominado por senhores e ser Senhora do próprio destino.
É a utopia versus o capital e aí, entendo a revolta de uns e outros com o final; mas, ai daqueles que acreditam nesse contrato possível em nosso mundo!