R...... 03/02/2018
A obra é de 1992, mas a realidade apresentada, apesar dos anos que se passaram, é algo que persiste na sociedade.
Contextualizando, é uma reportagem investigativa sobre a prostituição infantil na Amazônia, passando por várias cidades em um período de seis meses, com a metodologia de encontrar as adolescentes dando voz ao que vivenciavam. A abordagem não se prende a referencial teórico na área sociológica. Os relatos das meninas são provocativos a essa percepção nas causas e consequências.
Entre as causas, evidenciam-se fatores como a desestruturação familiar (violência, ausência dos pais, conflitos gerados pelo alcoolismo, conivência com a corrupção); o abandono do poder público em garantir direitos essenciais (como a educação e proteção) e a falta de oportunidades em um cenário de carências diversas, suscetível a ação de aliciadores.
Nas consequências, a constatação de uma realidade que escraviza e destrói (física e emocionalmente), predispondo desdobramentos para o tráfico de mulheres, drogas, violência, gravidez precoce, abortos, doenças e mortes.
Os relatos chocam, falando de venda de crianças pelos pais, leilões de virgindade, participação de elementos da polícia e do exército, e impunidades diversas.
O que me pareceu mais melancólico foi a visão de mundo forçada nas meninas, que muitas vezes veem nesse meio a única forma de sobrevivência.
Há muita coisa deprimente sobre exploração e o objetivo do livro é instigar a transformação do impacto, na sociedade e autoridades, em ações contra essa realidade.
Quando trabalhei em uma instituição governamental voltada a crianças e adolescentes (durante 5 anos) tive oportunidade de presenciar e ouvir relatos muito parecidos.
Tem muitas fotos, que falam por si mesmas ao contrastar a inocência da infância com a perversidade do mundo da prostituição.
Registro também uma observação que chamou minha atenção, sobre a Amazônia ser conhecida internacionalmente em movimentação contra a sua devastação, mas ser pouco conhecida quanto a vidas devastadas que nela habitam,
Do ponto de vista sociológico, é uma obra importante de ser difundida. O conhecimento expresso é ainda realidade presente e não se restringe ao cenário de cá.
A única coisa que não me pareceu coerente e importante é que o autor, no ponto de vista histórico, baseou algumas conclusões em considerações pejorativas, irreais com a verdadeira identidade dos fatos. Não por ser amapaense, pois reconheço a realidade descrita, mas "fazer redução do antigo Beiradão para cidade criada para fornecer mulheres para o Projeto Jari", segundo a visão do autor, é desconhecer e ignorar a história. Chega a ser até mesmo um tanto irresponsável. É como dizer que as favelas foram criadas para o tráfico e que todo brasileiro é malandro (em face da visão pejorativa no exterior). Não se trata de bairrismo, pois a mesma observação em relação a realidade dos fatos também aplico a Rondônia, que teve sua economia e desenvolvimento associados, em sua maior parte, ao tráfico de drogas em registro do autor.
Não é o aspecto principal do livro, mas achei importante expressar no que quero guardar em percepções sobre a obra. Só a esses aspectos não concordei.
Leitura importante, principalmente pelo tema ainda ser presente, seja na Amazônia, seja no país como um todo: a prostituição infantil.