fleabookz 22/09/2020
Tão atual
A publicação desse livro foi em 2005 e provavelmente tem crônicas de anos anteriores, mas eu achei várias partes tão atuais. Discussões e reflexões que ainda são pertinentes, mesmo que tenha se passado 15 anos. Não sei dizer se isso é bom ou ruim, apenas que a Martha Medeiros demonstra ser uma pessoa que tenta se desapegar de seus preconceitos.
Vou citando trechos dos quais eu mais gostei e que me deixaram pensativa. Na crônica "Todo o resto" ela finaliza dizendo "Seguimos com uma alma de criança que finge saber direitinho tudo o que deve ser feito, mas que no fundo entende muito pouco sobre as engrenagens do mundo. Todo o resto é tudo que ninguém aplaude e ninguém vaia, porque ninguém vê". E eu concordo totalmente, a gente finge que é bem entendido das coisas pra sermos aceitos, mas em "off" acabamos nos agarrando à nossa criança interior.
Em "Apaixonados" a autora fala que ao nos apaixonarmos temos a chance de criarmos um personagem, ser aquilo que queríamos ser. Que precisamos nos apaixonar para corrigir erros passados e fazendo isso, estaríamos nos apaixonando por nós mesmos em uma nova versão. Até então eu não tinha encarado a paixão dessa forma, como uma maneira de sermos alguém melhorado e/ou diferente do que antes. Estaria a pessoa enganando e sendo enganada ao se aproveitar de uma nova paixão pra sentir um outro roteiro?
Na "Prós e contras da ponderação", é trazido a questão de se manter dentro das regras, daquilo que é dito ser o caminho de seguir. "Há uma maluquice em quem jamais foge do asfalto, jamais improvisa outro caminho", eu como uma grande impulsiva que sou, me incomodo com quem tá sempre reavaliando os prós e os contras mil vezes antes de agir.
A minha crônica favorita foi "Perder a viagem", sem dúvidas. Não dá pra colocar tudo que destaquei aqui, porque foi quase ela inteira, mas uma partezinha "estão perdendo a viagem aqueles que não se comprometem com nada: nem com um ofício, nem com um relacionamento, nem com as próprias opiniões". E é isso mesmo, qual o sentido da vida se não nos comprometemos com nada e nem com ninguém? Parece que estamos só levando a vida com comodismo enquanto esperamos o fim.
Em certos momentos me senti incomodada, quando ela fala que o motoboy estava olhando os fogos de artifício tão emocionado "como se tivesse vendo a Ana Hickmann nua", por exemplo. Tipo? Achei bem desrespeitoso e fiquei me perguntando se isso não pode ter causado alguma confusão. Outro momento foi quando ela citou que temos vários tipos de amizades e cita "amigo homem, amigo gay? todos eles ajudam a formar nossa identidade?". Acho que teve uma boa intenção, mas me soou ridícula essa distinção.
Mas confesso que achei engraçado quando ela fala que fica entediada com fotos de debutantes, "geração xerox, rodas exatamente iguais, nem os pais as reconhecem". Imagina agora? Onde muitos almejam o rosto harmonizado e a boca grande de botox? Achei graça também da "Chata pra comer", porque me identifiquei muito, mas estou tentando ser menos fresca pra comer, juro!
No livro aborda também sobre o consentimento, a morte, julgamentos precipitados, monogamia, relacionamento aberto, eutanásia, cinema, a internet e seus impactos na vida social e amorosa e tantos outros assuntos. Acredito que nem daria pra eu me alongar falando de cada aspecto, mas foi uma boa leitura.
E pra finalizar, mais uma citação, dessa vez da crônica "O salva-vidas". "Piegas ou não, forçado ou não, eu acho mesmo que os livros nos 'salvam', de alguma maneira. Salvam a gente de levar uma vida besta, doutrinada pela tevê. Salvam a gente de ficar olhando só pra fora, só para o que acontece na vida dos outros, sem nos dedicar a alguns momentos de introspecção. Salvam a gente de ser preconceituoso. Salvam a gente do desconhecimento, do embrutecimento, do mau humor, da solidão, salvam a gente de escrever errado. Se existe salvador da pátria, não conheço outro".