Camila de Almeida 18/10/2023
Trecho extraído do livro:
"Em cada picape, os alto-falantes transmitiam um comunicado, aos brados, primeiro em farsi, depois em pashto. A mesma mensagem era veiculada por alto-falantes instalados no alto das mesquitas e também pela rádio agora denominada 'A Voz da Shari'a'.
Texto idêntico podia ainda ser visto em panfletos lançados pelas ruas da cidade. Mariam achou um destes no quintal.
'Nosso watan chama-se agora Emirado Islâmico do Afeganistão. Eis as leis que começam a vigorar e às quais todos devem obedecer:
Todos os cidadãos devem rezar cinco vezes ao dia. Quem for apanhado fazendo outra coisa nas horas de oração, será espancado.
Todos os homens deverão deixar crescer a barba. O comprimento correto é pelo menos um punho fechado abaixo do queixo. Quem não cumprir essa determinação, será espancado.
Todos os meninos devem usar turbante. Os estudantes da primeira à sexta série usarão turbantes negros, os alunos das séries superiores usarão turbantes brancos. Todos deverão usar trajes islâmicos. O colarinho das camisas deve ser abotoado.
É proibido cantar.
É proibido dançar.
É proibido jogar cartas, jogar xadrez, fazer apostas e soltar pipas.
É proibido escrever livros, ver filmes e pintar quadros.
Quem possuir periquitos será espancado, e os pássaros, mortos.
Quem roubar terá a mão direita cortada na altura do pulso. Quem voltar a roubar terá um pé decepado.
Quem não é muçulmano não pode realizar seu culto em lugar onde possa ser visto por muçulmanos. Quem fizer isso, será espancado e detido. Quem for apanhado tentando converter um muçulmano à sua fé será executado.
Atenção mulheres:
Vocês deverão permanecer em casa. Não é adequado uma mulher circular pelas ruas sem estar indo a um local determinado. Quem sair de casa deverá se fazer acompanhar de um mahram, um parente de sexo masculino. A mulher que for apanhada sozinha na rua será espancada e mandada de volta para casa.
Vocês não deverão mostrar o rosto em circunstância alguma. Sempre que saírem à rua, deverão usar a burqa. A mulher que não fizer isso será severamente espancada.
Estão proibidos os cosméticos.
Estão proibidas as jóias.
Vocês não deverão usar roupas atraentes.
Só deverão falar quando alguém lhes dirigir a palavra.
Não deverão olhar um homem nos olhos.
Não deverão rir em público. A mulher que fizer isso será espancada.
Não deverão pintar as unhas. A mulher que fizer isso perderá um dedo.
As meninas estão proibidas de freqüentar a escola. Todas as escolas femininas serão imediatamente fechadas.
As mulheres estão proibidas de trabalhar.
A mulher que for culpada de adultério será apedrejada até a morte.
Ouçam. Ouçam bem. Obedeçam. Allah-u-akbar'."
O eixo principal do livro não refere-se a esse trecho das leis impostas pelo Talibã na sua chegada ao poder, mas destaco por ser algo que causa profundo mal-estar e, faz parte do que é exposto como pano de fundo: a longa história de dominações, décadas de conflitos, mudanças de governo que ocorreram e acarretaram profunda influência no modo de vida (e sobrevivência) principalmente de mulheres e crianças da população afegã já tão sofrida.
Quanto a história, posso afirmar que são poucos os momentos de felicidade vividos por essas duas mulheres de natureza tão diversa que, na verdade, só possuíam o desejo de encontrar afeto, paz e alegria junto aos seus. A narrativa das maldades, violências e injustiças sofridas por ambas foram descritas magistralmente (sem poupar o leitor de detalhes revoltantes) por Khaled Hosseini nesse livro chocante porém, não menos emocionante ao ponto de nos arrancar lágrimas.