Pão 09/10/2021
Agostinho
A confissão é uma importante prática da igreja católica a qual consiste na expressa revelação de nossos pecados e erros ao padre para, dessa forma, sermos perdoados por Deus. Como sou e cresci em uma família de religião protestante, nunca tive um contato direto com tal ato. Apesar disso, desde a infância tal ideia sempre pareceu-me intrigante e de certa forma, assustadora. A simples ponderação sobre a possibilidade de abrir todos ou parte dos meus piores pensamentos realmente me causa calafrios. Nesse sentido, Agostinho de Hipona leva a atitude de reconciliação ao máximo quando, em sua obra intitulada Confissões, faz a primeira autobiografia do ocidente e a preenche de seus remorsos sobre incredulidades, depravações e arrogâncias em seu caminho até conhecer Deus.
Contextualizando, a obra foi escrita entre 397 e 400 depois de Cristo. Na época, Agostinho, nascido no norte da África, tinha cerca de 40 anos. O livro, basicamente, conta a história do teólogo de seu nascimento até sua conversão aos 33 anos de idade. A escrita constrói-se através de 13 livros somando ao todo 414 páginas. Ela pode ser dividida em duas partes, a biográfica ( livro I ao IX) e a teológica ( livro X ao XIII) em si com cerca de 254 paginas para a primeira e 140 para a segunda.
Do início ao fim entendemos o porquê do pensador cristão ser tão citado e influente ainda nos dias de hoje. Presenciamos seu caminho, da religião maniqueísta à católica, seus relacionamentos com amigos, professores e a forte influência de sua mãe em sua vida. Com uma escrita poética e pensamentos densos de um homem a frente de seu tempo, Agostinho consegue passar pela própria história com um singular atributo de analogias sobre cada etapa e momento até a conversão. Logo, a obra não contém apenas os fatos, na verdade, eles quase tornam-se coadjuvantes das reflexões conjecturadas. Nesse contexto, o autor, apesar de expressar sua confissão de forma pública, a escreve diretamente para Deus, essa atitude, como consequência, faz do livro muito mais que uma confissão, uma oração. Portanto, presenciamos a todo momento uma conversa entre criador e criatura e as conclusões tiradas de tantos questionamentos.
? Tu vês o tremor de meu coração em todos esses perigos e lutas e em outros desse tipo, e sinto que tu saras mais constantemente minhas feridas do que eu deixo de infligi-las.?
Na segunda parte o escritor, como já dito, deixa os acontecimentos de sua vida e passa a discorrer sobre as ponderações teológicas quanto ao início de tudo e suas abrangências como o tempo a matéria e o ser humano. Aqui, cabe ressaltar talvez um dos maiores entraves para uma leitura amena. Por se tratar de uma obra dos primeiros séculos e de um autor tão genial o qual não se abstêm de entregar todas as suas confissões e crenças, a escrita é enfaticamente complexa, podendo deixar o leitor muitas vezes perdidos em meio a prolongados pensamentos e difíceis conclusões capazes de obrigar a releitura da parte algumas vezes. Essa característica segue todo o livro e na primeira parte consegue tornar-se mais confortável com o tempo. A segunda, entretanto, sobrepesa as dúvidas e incertezas do autor podendo tornar o livro um pouco pesado no final, mas com certeza não menos impressionante.
Confissões é um dos maiores clássicos da literatura mundial, sendo recomendado não só aos cristãos mas àqueles em busca de uma sincera leitura sobre um homem e seu maior amor e propósito de vida. E dentre os muitos motivos, apesar de discreto, talvez esse seja o principal, o pensador demonstra-se um convicto cristão o qual busca com todas as suas forças aproximar-se cada vez mais de sua luz e isso, essa determinação é rara em qualquer homem de qualquer tempo. Humano, fiel, complexo, cristão, incrível, esses são alguns dos elogios para a tão necessária obra de Agostinho de Hipona