spoiler visualizarP.S. 12/08/2013
EMMELINE, DE JUDITH ROSSNER
"Emmeline aprendeu muito cedo a trabalhar, a amar e a sofrer".
Sabe aqueles livros que a primeira vista se apaixonam por você e não lhe resta outra alternativa a não ser levá-los para casa?
Pois bem, foi assim com Emmeline. Bati os olhos nele na biblioteca pública e pronto, estava apaixonado.
No início, fiquei relutante. Podia ser mais um romance água com açúcar mofado dos anos 70. Opinião que não se dissipou completamente (estou sendo preconceituoso, mas não me rogaria na hora de ler um livro mofado dos anos 70, até porque são a maioria na biblioteca pública da minha cidade), pois Emmeline é romântica até dizer chega, é sentimental e inocente, mas profundamente inspiradora.
Esta resenha contém revelações sobre o enredo.
"Emmeline, nem bem completados 14 anos, passou a sustentar sua família trabalhando numa usina de fiação e tecelagem em Massachussets. O ano era o de 1839" ("orelha" do livro).
"Hannah falava muito sobre a cidade de Lowell, com suas enormes usinas de tecelagem de algodão e seu sistema caridoso, pelo qual os donos das tecelagens forneciam alojamento e proteção para seus empregados. Era devido a tal sistema que as fiações haviam conseguido atrair mão-de-obra tão boa - moças dignas e respeitáveis, nada diferente de Emmeline..." (página 14).
Desculpe-me por revelar tanto da história assim, sei que isso é um pecado mortal, mas quero por demais discutir sobre o que aconteceu à Emmeline Mosher. Prometo me ater apenas aos detalhes extremamente necessários, pois sei que corro o risco de "estragar" a história a qualquer momento.
Em plena Revolução Industrial, uma criança (como tantas que viveram nesse tempo) começava a trabalhar em uma usina de tecelagem. O sistema de trabalho naquela época (pelo que consta no livro) era um tanto complexo, mas eficaz. As moças eram primeiro selecionadas pelas donas de pensões onde ficavam e depois iam tentar uma vaga de emprego na fábrica.
A dona da pensão - aqui chamada de Senhora Bass - as acompanhava até o local de trabalho, mas não havia uma garantia certa de emprego. Caso fossem recusadas, precisavam rumar para outras instalações. O recato e discrição eram essenciais para as moças, ao contrário do que podemos pensar com essa "oferta" de mão-de-obra feminina.
Trabalhando na tecelagem, e Emmeline era muito competente, a criança conseguiu amizade com o ordinário Sr. Maguire, com quem veio a ter um relacionamento rápido, submisso e dependente. E como era de se esperar, ela simplesmente... engravidou. Mesmo sem saber como a mágica acontecia. Emmeline sofria de doenças horríveis, como a solidão e a ignorância de conhecimentos que hoje são banais em nosso cotidiano.
Grávida, passou a ser material descartável. Totalmente improdutivo. Lixo problemático.
Resta a Emmeline voltar para sua casa no interior, mas sem revelar seu pequeno segredinho para a família. Seu filho fora adotado por pais adultos e com condições de sustentar uma criança sem passar necessidade. Ela nunca teve o menor conhecimento sobre essa nova família e jamais poderia imaginar que o homem que a tiraria da vida de solteirona era seu filho.
Os dois se amaram (e aqui puxo uma parênteses para citar a notável narração da autora em tornar tudo muito romântico e adorável, sem narrar o ato em si) e mais uma vez Emmeline se entregava sem se dar conta do que realmente estava acontecendo ao seu redor e que sentimentos tão fortes eram esses que agora sentia.
Logicamente que o fato foi revelado e agora a morte de Emmeline era a única coisa que poderia atenuar a dor e vergonha de sua família. Seu filho fugira e com toda a razão, mas nunca voltou. Mandava jornais que diziam a Emmeline de forma muito sutil onde ele se encontrava. Mas só.
Como voltar a viver?
A vergonha é uma das coisas mais fortes desse mundo, convenhamos. Todo mundo queria Emmeline longe de suas vidas medíocres e famélicas. O que fazer?
Eu lhe pergunto se você aceitaria conviver com uma pessoa assim. Você iria conviver com a mentira, a desconfiança e o incesto. Qual é o pior?
Talvez eu seja apedrejado, mas creio que tudo poderia ser resolvido. A culpa não pertencia a ninguém, mas fora distribuída com medo e rancor. Ninguém sabe como agir numa hora dessas. Claro que o casamento não poderia continuar, mas em hipótese alguma Emmeline deveria ser tratada como foi. Banida da sociedade, de uma vida que talvez ela nem quisesse ter.
Mas e se fosse na sua família? Com sua filha, mãe ou irmã?
Teria diferença se fosse com sua vizinha ou com uma conhecida?
Claro, que na teoria é fácil dizer que não a culparia, que talvez pudesse entender seus sentimentos e que poderíamos levar a vida adiante numa boa. Mas vai saber, né?
Isso mais ou menos se assemelha com a descoberta de um filho gay, de uma filha lésbica. Mas eu digo, não há culpa para distribuir em ambos os casos. Emmeline não sabia que se apaixonara pelo seu próprio filho e que se deitara com alguém que fora obrigada a esquecer.
"Sentimentos tão poderosos que só poderiam ter vindo de Deus, levaram aos atos mais fortemente condenados por sua palavra. É inútil dizer aos outros que os mandamentos sõ são simples para aqueles que esquecem de ver porque eles precisaram ser estabelecidos" (página 390).
Esse é o parágrafo final do livro e uma verdade incontestável.
Judith Rossner é uma escritora que ficou famosa relatando acontecimentos verídicos e os trazendo para o mundo todo.
Emmeline, pelo que pude entender, foi uma mulher de carne e osso, que teve sua história contada ao mundo inteiro por meio de um livro maravilhoso e delicado, que realmente faz jus aos acontecimentos verdadeiros.
Há uma página do livro no facebook, mas em inglês. Fora isso, há mais uma mísera página sobre a autora no wikipédia, mas nada de muita confiança não. E o livro é de 1980, não de 70 como tinha dito anteriormente.
Facebook (em inglês): http://www.facebook.com/pages/Emmeline/108901032468078
Judith Rossner (Wikipédia): http://pt.wikipedia.org/wiki/Judith_Rossner
Essa foi uma resenha que fiz há algum tempo e pela qual eu muito me orgulho.
Merecendo ou não.
Ilu.
site: http://www.duasgotas.com.br/2012/07/emmeline-de-judith-rossner.html