Luciana Couto 19/03/2012
Anotações de Mudanças
Tento não começar este texto com qualquer máxima ou lugar comum do tipo “livros transformam uma vida” ou “uma viagem transforma a vida”, mas clichês existem por algum motivo. E como as correlações também existem por algum motivo, fica inevitável não tentar cruzar as duas frases. O que tem maior capacidade de mudar a vida de alguém: um livro ou uma viagem? E os dois juntos?
Ontem li um livro que não mudou minha vida – embora seja capaz de mudar sim muitos conceitos – mas que ao lê-lo vi, claramente, o processo de mudança do seu autor. Ao fazer uma viagem com um amigo pela América do Sul, por nove meses, em 1951-52, o jovem estudante de Medicina Ernesto Guevara escreve em seu diário as aventuras da sua jornada, sem a menor pretensão literária. Aliás, a própria viagem não parece ter pretensão maior que satisfazer a curiosidade de dois amigos que montam uma moto velha e sonham em chegar aos Estados Unidos – detalhe – sem um tostão no bolso.
Vivendo da caridade das pessoas que vão conhecendo durante a aventura, não alcançam seu objetivo, mas descobrem muito mais do que haviam planejado. O melhor do livro é identificar os pontos de amadurecimento de Ernesto, que àquela época ainda não era Che, que mais parece um adolescente inconsequente nos primeiros relatos e vai se transformando em homem, à medida que se choca com outras realidades e passa a questionar o que vê.
Sim, aquela viagem mudou Ernesto. O texto começa com simples relatos de um diário infantil, limitando-se a contar o que aconteceu, mas à medida que avançamos as páginas e nosso protagonista-autor avança na sua viagem, os relatos vão ficando mais críticos, até diria, mais rebuscados, mostrando claramente a sua evolução mais que literária, mas crítica.
Ao término do seu “diário”, Ernesto já está muito mais próximo ao Che que ficou imortalizado na história (e muitas vezes mal pintado pelos intelectuais de direita), encerrando seu relato com um grito de guerra e deixando claro que já não era mais o mesmo que havia começado a escrever aquelas frases simples.
Falamos tanto em livros que transformam seus leitores e esquecemos que a primeira transformação que um livro faz é com seu autor.
Esta e outras resenhas em www.Dropz.com.br