Letícia 09/12/2018
A vida com o mínimo!
Escrito em 1854, Walden traz uma história bastante atual (esse é o papel dos clássicos). Nos faz refletir sobre a vida e as cidades, nossa relação com o tempo, com o trabalho e também com o consumo.
Thoreau passa 02 anos, 02 meses e 02 dias em uma cabana no lago Walden, em Concord nos EUA. Nessa experiência, o autor nos leva para o seu cotidiano, o que fazia com "tanto" tempo livre, sua comida, sua estadia, suas reflexões, suas leituras, o seu bem estar.
Thoreau não era ermitão, estava próximo à cidade e convivia com seus vizinhos, visitando amigos e recebendo visitas também. O seu experimento, digamos assim, era mostrar que era possível viver com simplicidade, com poucos recursos sem a necessidade do ter, e da vida acelerada.
Mesmo em pleno século XIX, Thoreau era uma pessoa bem sofisticada e à frente do seu tempo, suas medidas matemáticas, a própria construção da cabana, a observação da natureza, das estações climáticas. Colocam Thoreau como alguém já preocupado com as questões ecológicas, sendo considerado um dos precursores desse tema nos EUA, onde atualmente, o local de sua moradia é uma área de preservação ambiental e ponto turístico.
Por vezes, a experiência de leitura, principalmente no início é um pouco arrastada e enfadonha, mas logo mais adiante, a leitura flui e você se vê lendo passagens que poderiam simplesmente ter sido escritas em pleno 2018.
Durante minha leitura, marquei algumas passagens que me chamaram a atenção e trarei para essas impressões literárias que estou descrevendo, usarei o recurso de colocar o número da posição de leitura do Kindle para essa edição que li da L&PM.
Um dos capítulos que mais me identifiquei e gostei das reflexões foi o sobre a leitura, que começa na posição 1634 do Kindle. Uma pergunta que ele faz, e que também podemos fazer é a seguinte: "Alguém que acabou de ler talvez um dos melhores livros em inglês, quantas pessoas encontrará para conversar sobre ele?" (posição 1640) tirando o fato dele falar dos livros em inglês, trazendo para nosso cotidiano, não é verdade? Ou ainda, "Quantos homens marcaram a data de uma nova época em suas vidas com a leitura de um livro!" (posição 1760) Muitos livros nos marcam ao longo da vida, e muitas vezes nos transformam, cada um de nós pode contar sobre um ou mais livros que tiveram esse impacto em nossas vidas. Uma resposta bem interessante quando alguém lhe perguntar por que você tem e/ou compra muitos livros: "Gastamos mais em praticamente qualquer item de nossa saúde ou falta de saúde física do que em nossa saúde mental." (Posição 1773/1774) Leitura para mim e acredito que para boa parte dos leitores faz parte da nossa sanidade mental. Ele traz também boas reflexões sobre leitura e educação bem atuais. Sobre o sistema educacional e como ela via isso, durante sua vida ele e seu irmão fundam uma escola particular e começam a lecionar, mas o projeto não vai adiante, por vários motivos, sendo que um deles é a partida de Thoreau para Walden.
Já avançando na leitura, a seguinte passagem também me chamou a atenção: "Uns perguntaram o que eu comia; se não me sentia solitário; se não tinha medo, e coisas assim." (posição 137). Essa frase me remeteu imediatamente à época em que minha mãe faleceu, e eu morava sozinha. Algumas pessoas quando conversavam comigo, me perguntava exatamente sobre isso, como eu ia me alimentar, se eu não me sentia solitária e com medo. Mais ou menos automaticamente, eu respondia não para todas as indagações, mas explicava que ser solitário era diferente de ser sozinho. E que a vida deveria seguir, com outras conformações, com outras experiências e com aprendizado depois de passar por uma situação de profunda tristeza.
Sempre questionavam Thoreau sobre esse novo estilo de vida, e em outra passagem ele remete à Bíblia quando fala "(...) eles se dedicam, como diz um velho livro, a acumular tesouros que serão roídos pelas traças e pela ferrugem e roubados pelos ladrões." (posição 169). Aqui mais uma vez ele afirma que não é preciso de muito para se viver, e que temos que enfatizar o ser ao invés de ter (outra premissa atualíssima), com a qual eu concordo. Claro que na nossa vida, não iríamos para um bosque construir uma cabana e lá permanecer. Mas acredito que se temos o suficiente para vivermos de acordo com a nossa realidade e necessidade confortável, eu particularmente não vejo realmente necessidade de termos armários e armários abarrotados com muito mais do que conseguirmos usar. Aqui uma crítica ao consumismo, pois, Thoreau já criticava a aceleração do tempo e da fluidez das relações, bem como o próprio consumismo, já que ele vive ali logo depois da Revolução Industrial que vai ser o advento da proliferação de bens.
Na posição 189, Thoreau critica o trabalho excessivo (algo tão comum em nossos dias, mas devemos desacelerar), "Na verdade, quem trabalha não tem tempo livre para uma autêntica integridade dia a dia; não pode se permitir manter as relações mais viris com os homens; seu trabalho seria depreciado no mercado. Não tem tempo de ser nada além de uma máquina."
Ao longo da leitura vamos acompanhando a vida de Thoreau no lago Walden e todos os seus pensamentos e estudos, terminado seu tempo lá, ele volta para casa e reescreve várias passagens do seu livro antes de publicá-lo.
Como homens do seu tempo, Thoreau falece jovem, mas suas ideias se propagam e são de grande influência para líderes do século XX, como, Gandhi e Martin Luther King.
Uma frase representa bem a filosofia de Thoreau, e nós com certeza podemos falar hoje em dia:
"(...) o melhor lugar para cada pessoa é onde ela está." (Posição 5395).
Em resumo, foi uma boa leitura! Acredito que não leria esse livro por escolha própria (essa foi uma leitura do meu grupo de leitura para o mês de Dezembro), mas que ao final eu gostei e recomendo para quem quiser conhecer esse clássico americano. Ele também está no livro 1001 livros para ler antes de morrer.