Diego Rodrigues 09/04/2020
Um convite ao pensamento crítico e a liberdade
Em 1845, buscando se afastar e se desintoxicar de uma sociedade da qual já não se simpatizava mais, Henry David Thoreau, aos 27 anos e formado em Literatura Clássica e Línguas, decidiu se retirar para uma propriedade isolada do amigo e poeta Ralph Waldo Emerson. Às margens do lago Walden, o autor, ativista, poeta, naturalista, historiador e filósofo, construiu sua própria cabana, plantou seus próprios alimentos e levou uma vida simples e autossuficiente em meio a natureza por dois anos. Esse experimento se tornou um período de descoberta espiritual, conexão com a natureza e com o seu eu interior para o jovem autor. Esse livro, publicado pela primeira vez em 1854, é um relato dessa experiência e apesar das críticas a sociedade presentes aqui serem direcionadas principalmente a civilização industrial do século XIX, elas são tão profundas e universais que permanecem atuais. Assim como o período em que viveu na floresta foi uma experiência de autodescoberta para Thoreau, a leitura de Walden pode ser o mesmo para o leitor.
O livro é dividido em dezoito partes, cada uma delas é um ensaio que trata de assuntos variados, apesar de estarem todos ligados entre si. O primeiro capítulo é onde o autor vai expor seus ideais e tecer a maioria de suas críticas a sociedade, ao capitalismo e ao consumismo. Aqui o autor estabelece sua filosofia e vamos entender os motivos que o levaram a empreender tal experimento. Thoreau nos mostra por a + b, literalmente fazendo contas, que a sociedade vive uma vida de luxos supérfluos, na qual tudo que é consumido ou adquirido é superfaturado de alguma maneira. Mostra também que é totalmente possível levar uma vida mais simples, melhor e gastando menos, sendo autossuficiente.
A instalação do autor às margens do Walden é descrita de forma bem detalhada, ficamos sabendo quanto ele gastou, onde conseguiu os materiais, como transportou e como construiu tudo. Após fixar moradia na região, aos poucos, conforme os capítulos vão passando, Thoreau vai nos permitindo um vislumbre da vida que levou ali. Sempre intercalando entre o teor autobiográfico e alguma crítica, seja ela direcionada a sociedade, ao governo ou a guerra, o autor traduz sua filosofia em ensaios. Temos, por exemplo, um capítulo inteiro dedicado a literatura, do qual saiu sua famosa citação:
"Quantas pessoas não definiram uma nova era em sua vida por meio da leitura de um livro! O livro existe para nós, talvez, como aquilo que explicará nossos milagres e revelará outros novos. Podemos encontrar neles, de certa forma ditas, coisas indizíveis no presente. Essas mesmas perguntas que nos perturbam e intrigam e confundem ocorrem por sua vez a todos os homens sábios; nenhuma delas foi omitida; e cada um deles respondeu de acordo com a sua capacidade, com as próprias palavras e a própria vida. Além do mais, com a sabedoria aprenderemos a liberdade."
Os sons da floresta, as vantagens da solidão, as visitas que o autor recebia, ou a falta delas, as sementes que ele cultivava na região, cada um desses assuntos tem um capítulo só pra si. Tudo escrito de uma forma leve apesar de crítica. Em alguns momentos o autor nos encanta com suas descrições da vida na floresta e do lago, em outros nos deixa em profunda reflexão quando tece uma de suas críticas.
O que faz de Walden um clássico da literatura e um documento libertário, além do conteúdo relevante em si, é a escrita do autor. Apesar de ser um forte crítico e um ativista, Thoreau escreve de um jeito leve. Sempre mostrando ao leitor a sua filosofia e instigando-o a refletir, ele não é radical. Como exemplo disso posso citar as passagens sobre o veganismo que tem no livro: o autor explica suas vantagens para o corpo, para o espírito e para a natureza, deixando claro que esse é um caminho para o desenvolvimento do homem. Mas não tenta forçar o leitor o adotá-lo. Afinal, segundo a filosofia do Thoreau: se é uma coisa que tem que ser imposta, não adianta; é necessário compreendâ-la para abraçá-la.
Aliás, essa é a mensagem presente no capítulo final do livro, no qual o autor resume a lição que tirou de sua experiência em uma conversa direta com o leitor. Thoreau mostrou um caminho, mas ele não quer que todos vão morar no meio da floresta na beira de um lago. Ele instiga cada homem a buscar a conexão com seu eu interior e com a natureza a sua volta. Todos devemos buscar esse equilíbrio todos os dias. A lei do nosso espírito jamais entrará em conflito com a lei de uma sociedade justa, se por acaso encontrarmos alguma.
"Por que essa pressa desesperada de ter sucesso e por que essas empreitadas desesperadas? Se a pessoa não acompanha o ritmo de seus companheiros, talvez seja por estar ouvindo outro tambor. Deixem que entre no ritmo da música que ela está ouvindo, seja ela regular ou esparsa. Não é importante que a pessoa amadureça logo como uma macieira ou um carvalho. Por que transformar logo a primavera em verão? Se ainda não existem condições para as coisas para as quais fomos feitos, que realidade trocaríamos pela nossa? Não naufragaremos em uma realidade fútil. Será que devemos com esforço erguer um céu de vidro azul sobre nós, mesmo sabendo que, quando pronto, certamente continuaremos olhando ainda o verdadeiro céu etéreo muito acima, como se o outro não existisse?"
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