Bia 20/09/2016Resenha publicada no blog Lua Literária Desde que li Mais que uma Escolha fiquei ansiosa para conferir mais trabalhos da autora.
Em Duas Luas conhecemos a história de Gustavo e Clarissa. Gustavo é um homem negro, muito bonito, que sabe muito bem o que é passar por dificuldades na vida.
Quando pequeno, mudou da favela de Belo Horizonte para Canoa Velha, no interior de Minas. Seu pai era simples, procurava com a mudança para o interior, tranquilidade; já que tinha um pedacinho de terra por lá. Sua mãe não estava contente com a vida que tinha, julgava o marido por acomodado. Eram pobres e ela não se conformava com essa realidade.
“O que faz morrer um relacionamento? O destino, a convivência, outro amor, novos interesses, falta de dinheiro ou só incompatibilidade de gênios? É um pouco disso ou tudo isso?” – página 99
Assim sendo, Gustavo testemunhou de perto o que era um casamento infeliz, tendo os pais como grande exemplo.
Clarissa é uma linda loira, acostumada com o bom e o melhor. Foi parar em Canoa Velha também pequena, para morar com seu tio, o grande fazendeiro João. Sua mãe havia falecido e seu pai precisou fazer uma viagem. João, riquíssimo, não era lá uma pessoa muito fácil de se relacionar, por sorte tinha o primo Carlos.
Cidade pequena vocês sabem como é, não existe escola de rico e pobre. Carlos e Gustavo já eram amigos; Clarissa e Gustavo se tornaram próximos por compartilharem do mesmo gosto pelos livros.
O tempo passou, o sentimento entre Gustavo e Clarissa mudou de amizade para amor. Um amor proibido, já que o tio da moça não aceitava o rapaz, que era pobre e negro.
Gustavo herdou toda a simplicidade do pai, arrumou trabalho em uma papelaria local. Ganhava pouco, mas pelo menos iria aprender uma profissão. Clarissa, imatura, sonhadora e virtuosa. Apesar de tudo que passou, não tinha maturidade para crescer e perceber que nada na vida era fácil. Talvez por sonhar demais, não evitou engravidar, ainda adolescente, de Gustavo.
Então vocês pensam: sendo o tio de Clarissa tão preconceituoso, jamais ele aceitaria o casamento e tão pouco a criança, certo? Bem, aquele ditado tem caroço nesse angu faz todo sentido nessa trama.
João aceita o casamento do casal, porém a sobrinha e seu marido viveriam na vida humilde. Ele não ajudaria.
Clarissa se muda para a casinha que Gustavo divide com sua mãe. As coisas não seriam fáceis, o pai do rapaz já havia falecido, ele precisaria se desdobrar para sustentar a casa. A moça percebe que casamento não é lá como um conto de fadas, e a sogra faz o possível para deixar a vida da nora ainda mais trevosa. Para colocar mais tempero ainda na relação, o destino não mandou um bebê para o casal, mas sim DOIS: vieram gêmeos.
Gustavo precisava agora se multiplicar em dez. Clarissa, imatura, não suportava a realidade pobre e não conseguia cuidar dos bebês e aturar a sogra. Impulsivamente, abandonou todos, inclusive os filhos, para seguir o pai no exterior.
Nem preciso dizer o quanto Gustavo ficou arrasado. Por sorte, nosso protagonista conseguiu superar.
Herdou a papelaria em que trabalhava, conseguiu aumentar ainda mais o negócio, e cinco anos depois de todo o sofrimento, era um homem de posses.
Clarissa, nesse mesmo tempo, cresceu e conseguiu enxergar a realidade. Se arrependera do que fez, agora estava de volta para tomar seu lugar de mãe e quem sabe conseguir o perdão de Gustavo.
Poderia ele perdoar a mulher que tanto o fizera sofrer?
Não há como não se encantar com a escrita singela de Bruna. É um romance, que tem alguns clichês, porém a autora escreve para que o leitor tire lições através de seus personagens e de seu enredo.
Mais uma vez temos Minas como cenário, apesar de Canoa Velha ser uma cidade fictícia, me senti como se estivesse viajando para o estado pela segunda vez em se tratando de suas obras. A autora resgata esse regionalismo dentro do romance, que hoje, infelizmente, está tão perdido.
Os personagens são humanos, muito bem construídos, únicos. Senti vontade acolher Gustavo, era como se estivesse lá presenciando toda sua dor. E quanto a Clarissa, não consegui julgá-la, pois entendi perfeitamente todas as suas inseguranças e medos. Quantas vezes não achamos que fugir pode ser a válvula que precisamos para começar de novo?
“O que aconteceu com a gente me fez entender que as pessoas são capazes de qualquer coisa quando estão infelizes. E nem sempre é por falta de escrúpulos ou caráter.” – página 149
O enredo nos faz refletir sobre o preconceito socioeconômico, mas essa fuga da personagem feminina também traz um balde de água fria ao leitor apto ao romantismo: estamos acostumados com a figura masculina sentir medo e abandonar a mulher e filhos. Será que vamos acolhê-la da mesma forma que fazemos com os mocinhos?
“- Não sei o que leva uma pessoa a tomar certas atitudes. Talvez o desespero. É difícil entender e aceitar, só que nem sempre a vida deixa uma escolha.” página 86
A leitura de Duas Luas lembrou-me de O Mulato. Claro que são enredos totalmente diferentes, porém várias e várias vezes enxerguei a mesma doçura de Raimundo em Gustavo.
Outro aspecto da autora que preciso glorificar de pé é a revisão textual impecável e o cuidado com a língua portuguesa. A linguagem da obra é simples e regionalizada, por vezes temos diálogos em que o sotaque e bordões mineiros aparecem, porém, mesmo se tratando de uma obra publicada de forma independente, não nos deparamos com erros de português.
Leitura recomendada para os amantes de bons romances, mais uma vez um livro da Bruna encheu meu coraçãozinho de amor.
site:
http://lua-literaria.blogspot.com.br/2016/09/resenha-duas-luas-bruna-longobucco.html