Luis 04/09/2016
Jornalismo até a última gota
Desnecessário escrever sobre a excelência profissional de Caco Barcellos. Considerado um dos melhores repórteres da história da TV brasileira, o experiente jornalista vem se dedicando nos últimos anos ao projeto de implantar uma nova abordagem na forma de contar histórias, coadjuvado por um grupo de jovens promissores. A experiência deu certo e se reflete na audiência e no alcance do “Profissão Repórter”, provavelmente uma das melhores coisas da TV aberta.
Para celebrar a primeira década do programa, Caco e sua equipe compilaram uma série de relatos sobre alguns dos momentos marcantes da atração, o resultado é o livro “Profissão Repórter 10 anos- Grandes aventuras , Grandes coberturas” ( Planeta, 2016) que saiu em duas edições, uma delas com dois DVD´s encartados contendo as reportagens comentadas na obra.
É importante dizer que, embora tenha se consagrado na tela da Globo, Caco Barcellos é cria do jornalismo impresso, tendo começado em veículos alternativos na década de 70. Ainda hoje apaixonado pelo texto, o autor tem em seu currículo dois prêmios Jabutis por seus livros “Rota 66” (1993) e “Abusado” (2003), logo, a tentativa de traduzir em letra de forma o vitorioso projeto não pôde dar em algo diferente que não um grande livro. Fundamental para jornalistas e estudantes. Cativante para o público em geral.
Seguindo a linha editorial do programa, o de mostrar não só a notícia mas também seus bastidores, o volume é dividido em cinco partes, cada uma com capítulos assinados pelos jornalistas que efetivamente realizaram as reportagens que comentam. A diversidade de estilos e experiências, que abarca não só os repórteres como também os editores do “Profissão”, longe de fazer da obra uma concha de retalhos, traz ao leitor uma abordagem única e extremamente rica que, contrariando os manuais, insere o profissional na notícia, com seus medos, anseios e fragilidades, mas sem deslocar o verdadeiro foco de interesse, afinal nada é mais importante do que o fato, a informação a ser transmitida e o repórter está a reboque dela.
Há casos singulares de como funciona a fórmula inovadora do programa. No texto da repórter Eliane Scardovelli, por exemplo, há o relato de como um primeiro olhar apressado,. carregado de pré julgamentos, pode francamente ser desmentido pela realidade : Ao ver em uma unidade de saúde um mãe aparentemente repreender com violência uma criança, a jovem jornalista a interpela questionando a atitude. Imediatamente, a mãe os desafia a conhecer a sua vida para entender aquela cena. Com veemência, dá uma lição de moral em Eliane. Partindo desse “confronto” entre percepção e realidade, a equipe resolveu visitar a mãe e de fato conhecer a sua árdua rotina. O filho era excepcional e ocasionalmente ficava agressivo. O que a repórter testemunhou foi na verdade a mãe tentando conter a criança, que a estava agredindo fisicamente. Dividida entre o trabalho e os cuidados com o filho e sem o apoio do pai do menino, aquela mãe foi o mote para um programa sobre as dificuldades no tratamento de crianças com transtornos mentais. A edição mostrou tudo, inclusive o embate inicial que desmontou a primeira impressão equivocada da repórter, evento que em atrações convencionais não teria a menor condição de ir ao ar.
A título de complementação, foi inserida uma última parte, intitulada olhares externos, que contêm três textos com avaliações e reflexões acadêmicas, embora plenamente acessíveis, sobre o modus operandi da produção, ajudando o leitor a identificar elementos fundamentais que diferenciam Caco e sua trupe da estrutura tradicional de se contar histórias no telejornalismo.
Em suas quase 400 páginas, “Profissão Repórter-10 anos” nos conduz por uma excursão memorável aos âmagos do ofício, normalmente só visível para os “coleguinhas” e que se bem dosados dão o tempero especial a qualquer matéria.
Caco Barcellos declarou em entrevista que a droga mais nociva no Brasil é o aguardente, bebida que ele abomina. Receio existir aqui uma certa incoerência, já que é sabido que o jornalismo é uma autêntica cachaça, tão bem fabricada todas as semanas pelo autor e seus pupilos.