Douglas.Bonin 12/02/2024
Até tu, Caesar?
Após ler Hamlet, a peça teatral ?Júlio César? foi o próximo livro sorteado na missão de zerar uma estante que só aumenta. Confesso que não gostei, a leitura foi até um pouco maçante. Mas gostaria de divagar sobre um possível paralelo entre o texto shakespereano e o livro ?Como as democracias morrem?.
No livro teórico que trata acerca das democracias, os autores Steven Levisky e Daniel Ziblatt destacam duas importantes condições comportamentais dentro do jogo político: a capacidade de se atentar as regras não escritas e o respeito aos opositores políticos. Essas estruturas são basilares para manutenção do jogo democrático.
Feita essa consideração, a peça histórica sobre Júlio César apresenta personagens um tanto o quanto questionáveis. De César a Brutus, ninguém explica a raça humana. Em alguns momentos Brutus aparenta ser um sujeito coerente, mas logo isso é colocado em cheque com atitudes que beiram um possível desejo por poder.
A traição, elemento imprescindível da narrativa, é uma espada de dois gumes. Fere as estruturas políticas locais, levando os personagens a encarar o outro lado da moeda. Isso tudo é fruto de políticos que não respeitam a oposição, veem nesses o inimigo a ser abatido, desprezando o debate em prol da construção de uma solução comum.
Ao final da história o sentimento que resta é o de que uma boa conversa de canto, uma dessas reuniões de gabinete, poderia ter evitado um rio de sangue. Para homens poderosos, guerreiros ?honrados?, a vida de soldados rasos pouco vale frente a luta por um ?bem maior?. Diante a possibilidade da derrota, encontram na antecipação do fim pessoal, a fuga de uma humilhação pública. Enquanto isso, a história do mundo é escrita da ambição de alguns. Enquanto isso, resta ao sujeito médio dizer ?et tu, Caesar??.
SHAKESPEARE , William. Júlio César. In: SHAKESPEARE , William. Grandes obras de Shakespeare: volume 3: peças históricas. Tradução: Barbara Heliodora. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. cap. 3, p. 299-420.