Ludmilla Silva 29/03/2024"I wonder, if nobody is listening to my voice, am I making any sound at all?"Alice Oseman realmente melhorou sua escrita e sua própria narrativa nesse segundo livro. Claro que não é uma continuação, entretanto, achei Radio Silence bem mais cativante que Solitaire. Faz bastante sentido a narrativa dela ter evoluído, e gostei muito da quebra de expectativa. O estilo de Oseman é um estilo bem diferente do que estou usualmente acostumada, gosto de livros de fantasias, com criaturas fantasiosas e eventos grandiosos, e os livros de Oseman são simples, sobre adolescentes normais passando por dilemas normais.
Para mim, esse tipo de livro é certamente o mais difícil de escrever, pois, muitas vezes mergulhamos de cara na fantasia para esquecer a realidade ao nosso redor e não nos aprofundarmos mais nele. O diferencial de Oseman é que ela consegue nos deixar fascinados por histórias onde ela fala de problemas reais do nosso dia a dia, questão da sexualidade, de problemas mentais, problemas familiares e também escolares. E ela faz isso de modo bastante empático e leve.
Mesmo já tendo terminado a escola há quase 10 anos, me identifiquei muito com o livro, devido ao ambiente acadêmico que envolve o universo de Frances, nossa protagonista. Para alguns a Frances existe apenas na escola, e é aquilo que a define. O fato de ser uma garota dedicada, inteligente e focada nos estudos é tudo que veem, e isso aparece como um dilema para a própria personagem que não consegue se encontrar em si. A Frances é acima de tudo uma artista, e mesmo sendo extremamente boa no que faz e aclamada na internet, ela não consegue ver aquilo como parte de quem ela é, ou de quem ela quer ser, algo que acaba se refletindo em suas decisões futuras.
Por isso que a amizade entre ela e Aled é tão genuína, pois com ele, ela consegue ser apenas a Frances, e não precisa provar nada para ninguém. Como exemplo disso, ela cita ao longo de várias páginas o quanto sente que suas “amigas” da escola não são de fato suas amigas e como elas não a conhecem verdadeiramente. Em contraponto, o mesmo acontece com Aled, ele consegue ser verdadeiro e sincero com Frances. O Aled não é um personagem novo, ele é familiar dos quadrinhos de Heartstopper, mas mesmo lá é possível perceber que ele é super reservado e o próprio Charlie na maioria das vezes não sabe o que está acontecendo com ele. Logo, faz sentido ele se dar tão bem com Frances, pois ela também era o refúgio dele.
Falando ainda de Heartstopper, foi interessante ter essa quebra de expectativa do personagem, pois segundo o quadrinho, e na minha cabeça, o Aled era esse personagem todo certinho, fofo e tímido. E em partes ele ainda era assim, mas era muito mais que isso, e quando vi ele bebendo, surtando e até brigando com outros personagens eu assustei, mas, ao mesmo tempo, eu gostei, ao dar a profundidade que faltava ao personagem.
No começo tem uma expectativa muito grande de que o livro é um romance entre Frances e Aled, mas eu estava errada. Não é um livro sobre romance e sim um livro sobre amizade, ou melhor de tudo, a importância de se ter pessoas ao seu lado quando você não está bem. O debate sobre saúde mental, principalmente sobre depressão e ansiedade, foi bem forte aqui, e adorei que não foi cheio de estigma e forçação de barra, foi sincero e extremamente real já que afetou fortemente um dos personagens.
Para além de Frances e Aled, os personagens secundários de Oseman são também muito fortes. A irmã de Aled, por exemplo, é uma presença e um mistério constante, mesmo praticamente não aparecendo. O Daniel tem um papel muito importante para o protagonista e conseguimos nos aproximar ainda mais dele após seu desabafo no fim do livro, e é claro que não se pode deixar de citar a mãe da Frances e a mãe do Aled.
O livro também é cheio de plot twists que me deixaram de boca aberta, justamente, porque eu não estava esperando a maioria deles. Gostei dessa sensação de surpresa constante. Para mim, o que mais me frustrou no livro foi a falta de punição para a mãe de Aled, eu queria muito, mas muito que ela fosse punida por estragar a vida do filho e da filha. Porém, ao mesmo tempo, eu também acho que faz sentido, porque na vida real esse tipo de pessoa é raramente punida (mas gostaria muito que a Frances tivesse deixado a sua mãe ter dado uma porrada nela — nesse caso sou a favor da violência sim).
Não entrarei mais detalhes, pois o livro realmente tem vários interessantes, mas gostei muito da leitura, achei que foi bem mais agradável do que o anterior e estou ansiosa para ler mais livros. Eu ouvi o audiobook, na verdade, e mesmo não sendo a maior fã do forte sotaque britânico da narradora, o que me incomodou horrores foi a interpretação morta e sem vida do Aled, isso infelizmente influenciou minha nota final, algo que provavelmente não acontecerá na leitura, enfim, as desvantagens de se ouvir ao invés de ler. De forma geral, foi uma boa leitura, eu recomendo bastante para os fãs de Heartstopper que tem mais curiosidade para entender o Aled.