Ladyce 31/08/2016
Quando me dei conta de que Julian Fellowes era responsável por escrever e criar o roteiro de "Downton Abbey", uma excelente série britânica para a televisão e que também fizera os roteiros para os filmes "Assassinato em Gosford Park", (2001, premiado com o Oscar), "Feira das Vaidades" (2004) e "A jovem rainha Vitória" (2009), tive receio de ficar desapontada com primeira publicação em prosa do autor . No passado autores premiados nem sempre me agradaram como esperado. Felizmente isso não aconteceu com "Esnobes".
Foi uma leitura divertida, entretenimento certo, repleto do mais perverso humor britânico e crítica aos costumes sociais da aristocracia inglesa. O tom segura firmemente a narrativa feita pelas observações de um homem, cuja identidade ignoramos, mas que pertence à classe social retratada, da mesma forma que Julian Fellowes na vida real é um membro da aristocracia britânica, e como o personagem que descreve no livro dedica-se ao teatro. Atravessamos as barreiras de classe, entramos e saímos dos diferentes grupos sociais, pela mão firme de um homem que conhece as curvas do caminho. Há momento em que ele me lembrou Arsène Lupin, pela facilidade com que alça a cortina de proteção dos bem-nascidos e revela, como faz o personagem de Maurice Leblanc, as idiossincrasias da classe aristocrática. A ação se movimenta através dos diversos eventos sociais de que o narrador participa. Não chega a ser uma resenha social daquelas publicadas nos diários impressos sobre jantares e caçadas, fins de semana no campo, corridas de cavalos, reuniões nos fechados clubes londrinos. Mas há um delicioso ar de mexerico, intriga ou boato no tom irônico das observações detalhadas.
Superficialmente essa poderia ser uma história para moçoilas, livreto da “Biblioteca das Moças”. Afinal não passa de uma Cinderela. Será? Edith Lavery, menina da classe média alta, depois de frequentar as melhores escolas encontra-se sem perspectivas para um bom casamento até que de repente tem a oportunidade de fisgar um membro da aristocracia, com título, que lhe garantirá um futuro seguro para sempre feliz. Ao contrário de Cinderela os obstáculos a esse relacionamento não estão personificados em duas irmãs invejosas. Nem mesmo na sogra, a mais interessante personagem do livro. Os obstáculos estariam no comportamento requerido de Edith, mas estes ela domina com facilidade. O que não consegue é ir contra sua própria disposição rebelde. O embate é pessoal. Ela é de fato sua verdadeira inimiga.
Boa parte dos detalhes desta história pode ser melhor degustada por quem está familiarizado com a cultura inglesa. Mas o desconhecimento dos hábitos da ilha não impedirá o leitor de apreciá-la. Bem desenvolvida, a narrativa tem o ritmo do teatro: é dividida em três tempos, da introdução com situação e personagens; desenvolvimento dos possíveis conflitos seguido de uma conclusão inesperada para os verdadeiros corações românticos. Percebe-se, no entanto, que a aristocracia inglesa está ciente da decadência de sua importância social e num gesto de grandiloquência se arrasta pelo mundo de hoje, validando os conceitos da era anterior à Primeira Guerra Mundial.
Esta é uma boa história. Retrata a estratificação da sociedade inglesa com bom humor. Repleta de comentários críticos com que narrador em off nos presenteia, é uma leitura leve, rápida, na tradição da comédia de costumes tão apreciada pelos leitores ingleses. Fino humor. Sutil. Sensível, elegante e sagaz. Assim como as obras do autor para cinema e televisão, "Esnobes" pode ser apreciado pelas nuances de comportamento de seus personagens. Recomendo para os leitores sensíveis à enigmática ou inexplicável sedução exercida pela aristocracia inglesa em todo o mundo.