fernandaugusta 13/11/2021A Catedral do Mar - @sabe.aquele.livroIldefonso Falcones nos brinda com um romance histórico ambientado na Catalunha da Idade Média (1320 a 1384), onde os senhores feudais exploravam ao máximo os servos da terra, e a cidade de Barcelona fervilhava com a ambição dos nobres, o fanatismo religioso crescente e a miséria dos pobres.
Começamos a história na masía (uma espécie de fazenda) dos Estanyol, onde está sendo celebrado o casamento de Bernat e Francesca. No meio da festa chega o senhor de Bellera, e exige que se cumpra a juramento de que o servo tem que ceder a primeira relação da noiva, mandando que Bernat realize um segundo abuso depois do primeiro. Desta relação nasceu Arnau (filho de Bernat, pois tem um sinal de nascença no rosto), para ira do senhor, que exigiu a ida de Francesca para o castelo amamentar seu herdeiro legítimo. Lá, deixou Arnau para morrer à míngua, enquanto Francesca continuava sendo estuprada pelos guardas do castelo.
Bernat resolve salvar o filho e fugir da masía, com destino à Barcelona. Segundo a lei, se ele conseguisse ficar 1 ano e 1 dia na cidade sem ser capturado seria livre. Bernat buscou ajuda da irmã e ficou escondido, trabalhando como escravo na oficina do cunhado, Grau Puig. Grau é um homem ambicioso, que não quer saber de ter seu nome associado a um servo fugitivo.
Arnau vai crescendo e sua vida com o pai é tranquila, mas a convivência com a família dos tios fica cada vez mais problemática. Bernat acaba morrendo de forma trágica e Arnau, então com 14 anos, passa a trabalhar como bastaixo, uma espécie de carregador braçal do porto. Os bastaixos também doam seu trabalho carregando as pedras da construção da Catedral do Mar. Arnau, que não conheceu a mãe, abraça a Virgem do Mar como sua mãe e leva sua devoção nas costas, ajudando na obra da Igreja.
Passamos pelo seu casamento, viuvez em decorrência da peste bubônica, sua amizade com os judeus, sua atuação como cambista, seu segundo casamento com uma nobre cruel (por graça do rei), pela sua prisão pela Inquisição e pela sua redenção.
Tudo isso tendo ao fundo a construção da Catedral da Virgem do Mar. O panorama geral da escrita de Falcones nos afunda na Idade Média e na história da Catalunha com riqueza de detalhes históricos, em uma leitura densa e detalhadíssima. Todos os costumes da época são relatados, com destaque para a crueldade dos senhores feudais, a exploração dos servos do campo e dos trabalhadores da cidade, à pequenez e aos caprichos da nobreza, e ao tratamento horrendo dado às mulheres.
A tudo isso ainda somamos as questões religiosas, importantíssimas na época. Os judeus já eram segregados em muros na cidade, na chamada "judiaria", e já eram perseguidos pelos cristãos. Os mais fanáticos já caçavam os hereges a todo o vapor, e com Arnau preso pela Inquisição nos vemos dentro de um julgamento do Santo Ofício.
A política também é amplamente abordada, e vemos as constantes guerras entre os reis e príncipes dos territórios da Europa (atualmente Espanha, Itália e França). O esmero e o afinco da pesquisa do autor são evidentes em toda a obra, sem perder o foco da história principal, que vai sendo levada pelos Estanyol por anos a fio, com o acréscimo de personagens excelentes, tanto para o bem, quanto para o mal.
Não é uma leitura fácil, entretanto. O detalhismo por vezes tira a agilidade da leitura, e o autor descreve os hábitos feudais e sua crueldade com crueza, o que me levou a parar para respirar e refletir por vários momentos.
Recomento muitíssimo a leitura para quem gosta desta imersão em uma época e realidade completamente diferente. Ao final de tamanha saga, acredito que a maior reflexão seja o fato de que, apesar de considerarmos os costumes feudais e a Idade Média a época da Escuridão da Humanidade, séculos se passaram e infelizmente ainda não conseguimos evoluir em muitos aspectos da mesquinharia e baixeza humanos. Para se ter uma ideia, é só ver as notícias. Mas a história de Arnau também é sobre o bem e a busca de liberdade, o que o ser humano nunca deixou de buscar.