Italo Amorim 20/01/2022
O "Fabianismo", Wells e a escrita: tudo é mais do que parece
Para entender "A Máquina do Tempo" eu acho que, no mínimo, é válido saber que George Wells (ou H. G. Wells) fazia parte da Sociedade Fabiana, que posteriormente encabeçou o movimento sociopolítico conhecido como "Fabianismo" (ou "Socialismo Fabiano"). Apesar das inúmeras críticas ao movimento no seu pós-declínio por parte dos marxistas* (como o próprio Trotski, que enxergava no movimento uma espécie de maquiagem para o capitalismo), o "Fabianismo" teve crescentes dentro do Reino Unido graças aos intelectuais que lideravam as suas fases.
Além disso, vale todo o contexto de algumas dessas questões:
1) O "Fabianismo" tinha em seus ideais "afastar" (entre muitas aspas) o Socialismo do que estava sendo proposto pelo Marxismo. Ao invés de "revolucionar", o "Fabianismo" tinha como principal proposta "evoluir" a classe operária para que essa passasse a ser dona dos meios de produção. Daí a crítica dos marxistas, como Trotski, ao movimento;
2) O declínio do "Fabianismo", em meados da década de 30, ocorreu paralelamente a uma Alemanha que via internamente o aumento de movimentos pró-reindustrialização e pró-armamento. Ver potencias como a Alemanha vivendo internamente uma crescente de movimentos como esse e não estar do lado da revolução acabava sendo conflituoso para quem se dizia defender a classe operária. Além disso, tinha a questão de ex-membros da Sociedade Fabiana entrarem em grupos de extrema-direita após saírem do movimento, o que fortalecia a ideia de que talvez os ideais do movimento não casavam com suas ações. Apesar disso, o "Fabianismo" teve relativa força na Ásia, especialmente na Índia pós-independência;
3) A Sociedade Fabiana foi fundada em meados de 1884, poucos anos antes da publicação de "A Máquina do Tempo" (1895), então ainda era um movimento muito novo tanto para Wells quanto para toda a classe operária britânica ? que pouco entendia sobre o movimento, é bom dizer; suas bases teóricas apresentadas por folhetos só vieram "as claras" de fato sobre controle de Bernard Shaw, uma figura muito mais "socialista" do que "fabiana". Tanto era nova à época que os ideais socialistas de Wells, por exemplo, só vieram a florescer de uma maneira mais clara quando o mesmo visitou a Rússia em meados de 1920, no meio da Revolução Russa (1917-1923).
Dito tudo isso, acho que finalmente posso falar sobre o livro. "A Máquina do Tempo" propõe no seu enredo uma sociedade alternativa que traz bem o que Trotski entendia sobre o "Fabianismo", ainda que de um modo não tão evidente. Com uma sociedade com ideais capitalistas, o livro brinca com a ideia de evoluir (e daí o porquê da introdução ao longa com o "Fabianismo") para que se houvesse harmonia entre todas as castas.
No entanto, o próprio livro demonstra como essa "ideia" (entre aspas porque no salto temporal em questão é algo já em execução) acaba sendo "quebrada" por seguir existindo pessoas dentro dessa sociedade que intrinsecamente irão preferir estar em situação de dominância sobre outras. E isso extrapola do social até o moral, com todo um jogo político ao decorrer do livro.
"A Máquina do Tempo" acaba sendo uma ideia que permeia por mais quatro livros escritos pelo G. H. Wells no século XIX, entrando no século XX com a obra "Os Primeiros Homens na Lua" e apresentando uma "variante" (de novo entre muitas aspas) do que propôs outrora, tendo vilões mais fortificados (os "Selenistas") e castas não tão bem divididas. Digamos que foi o estágio mais "sci-fi" de Wells nessas seis primeiras obras (ainda que nas adaptações para o cinema o enfoque seja muito mais na ficção-científica).
"A Máquina do Tempo" não é das melhores obras quando observamos o desenvolvimento dos seus personagens e o seu "worldbuilding", mas ainda assim tem um papel importante na sua execução e "põe em prática" um plano que permeia por ao menos mais quatro livros do escritor. Como obra de apresentação (tanto do Wells quanto do Fabianismo na ficção), imagino que funcione bem. Tenho minhas críticas, e digo isso sobre a obra e sobre o movimento sociopolítico, mas não passo fechar meus olhos para o que há de bom.