spoiler visualizarRoberto 31/05/2021
O projeto de integração do proletariado aos valores burgueses na República Velha
Do Cabaré ao Lar (a utopia da cidade disciplinar, Brasil 1890-1930) explora práticas sociais além dos temas triviais da República Velha e do mundo oligárquico. Margareth Rago elabora uma narrativa inspirada tanto na historiografia Inglesa quanto na francesa ao conversar com E.P. Thompson sobre cultura e experiência operária e com Michel Foucault a respeito da disciplina na fábrica, escola, família, sexualidade e educação.
Resumo:
As décadas iniciais do século XX no Brasil foram marcadas por um projeto de integração do proletariado aos valores burgueses. A fábrica passa a ser projetada como higiênica e harmoniosa, voltada à fabricação de corpos dóceis, sem práticas populares e luta de classes.
Era um contexto de purificação do espaço fabril. Neste cenário a mulher era colonizada, repensada, neste ideário burguês. O saber médico atribuía a mulher um instinto natural e um sentimento de responsabilidade social com a família.
Paralelamente há uma apropriação médica também da infância, indispensável à família nuclear moderna, embora o trabalho infantil tenha continuado existindo. A mortalidade infantil torna-se uma questão de ordem também moral e política. A rua era tida como uma grande "escola do mal" e a educação deveria ser preventiva, adentrando corpos e espíritos com ocupação.
Por fim, a construção de vilas operárias aparece como uma solução ideal à moralização do proletariado, "científica", amparada por outros saberes além do médico (arquitetos, engenheiros, advogados, sociólogos), em busca de uma redefinição dos papéis familiares, ao procurar se apropriar não só do tempo da fábrica, mas também do tempo livre do trabalhador, incutindo os valores burgueses.
Há um fracasso desta e outras políticas sanitaristas. Seria por resistência do povo? É possível. O discurso anarquista se opôs à esses procedimentos disciplinares, ao conceberem a fábrica e a vila operária eram como satânicas, um espaço de dominação patronal. Defendiam a emancipação da mulher e que a criança deveria ser enviada à escola, para uma educação contra o exercício do poder nas relações sociais.
Ou seja, os anarquistas procuraram refletir anseios negados, com marcas profundas, porém não-silenciadas, do proletariado no Brasil de 1890-1930 frente ao projeto de integração aos valores burgueses.
Considerações Finais
O livro se trata de uma condensação da tese de mestrado intitulada Sem Fé, sem Lei, sem Rei - Liberalismo e Experiência Anarquista na República (1984). Embora o objeto esteja entre a impossibilidade de situar o papel da mulher entre um meio termo à Eva (cabaré) ou Virgem Maria (lar) no discurso burguês e mesmo no operário, há presença igual ou maior da pauta anarquista, libertária. É prazeroso como, em poucas páginas, há um diálogo frutífero entre Thompson e Foucault ao refletir sobre a cultura operária diante do projeto disciplinador das elites. A obra inspira também algumas reflexões sobre o ideário burguês, normalizado ainda hoje, além de situar o espaço do anarquismo diferente do comunismo e do marxismo, os quais comumente é confundido ou até mesmo depreciado.