spoiler visualizarlahmot 28/10/2024
É incrível como quanto mais rápido eu preciso acabar um livro, mais tempo leva para eu terminá-lo. Ler Deuses Americanos, para mim, foi como naquela cena de Sandman em que o Sonho pune o cara fazendo ele ter um pesadelo interminável do qual, sempre que ele pensa ter acordado, percebe que na verdade acordou no mesmo pesadelo, infinitamente. Eu sempre tive um sentimento meio esquisito com a escrita do Gaiman, sempre achei um tanto quanto... peculiar e seca, mas isso nunca me atrapalhou e nunca consegui dizer o porquê desta impressão; esse livro teve a proeza de aumentar ao máximo essa estranheza, elucidando a mim o exato problema.
Uma premissa ok, interessante. Não me importei com o fato do protagonista não ter muita personalidade ou ambições, de alguma forma, achei que coube ali, não me incomodou muito. Também não liguei muito de não saber muito bem qual era o plot, acho que esse é um daqueles livros em que o plot é o que menos intriga, na verdade, porque você fica mais curioso com os personagens e a construção do mundo na qual os deuses estão inseridos. Ou ao menos é assim que deveria ser, né? Mas de alguma forma, a escrita do Gaiman me deu um desinteresse tão grande justamente por esses deuses e foram poucos que me chamaram a atenção, inclusive ouso dizer que os únicos foram o Ibis e o Jacquel (Thoth e Anubis), porque gostei da dinâmica dos dois, e acho que só. Se você tem um protagonista sem muito sal, um plot que você não sabe qual é, e um bando de personagens que só estão ali para servir seu papel na narrativa quando são convenientes, o que sobra? Um bando de ideias que não vão a lugar algum, e é exatamente isso o que esse livro é.
Mais ou menos pela metade do livro, o Shadow se muda para uma cidadezinha pequena onde tudo é praticamente perfeito, e por estarmos acostumados a ir de localidade a localidade com o protagonista viajando pelos EUA, ali é como se nós estivéssemos lendo um livro dentro de outro livro, de tão diferente é do que estivemos acompanhando até agora. Essa parte da trama foi o que me fez dar uma nota alta (!!!) como esse 3/5, porque eu fiquei genuinamente interessada em saber o que se passava ali naquela cidade onde a única coisa de errado era que, ano após ano, uma criança desaparecia sem deixar rastros. Se essa parte fosse separada do livro, ela daria uma história bem intrigante por si só. Infelizmente esse não foi o caso, mas eu adoraria ter acompanhado o Shadow dando uma de "detetive" por ali, ao invés da confusão chatíssima que tivemos no restante da narrativa.
O conceito dos "novos deuses" serem coisas que adoramos hoje em dia como a tecnologia, me pareceu tão besta que eu não consegui levar a sério. O plot twist definitivamente foi um plot twist. Poderia ter sido mais legal, poxa o vilão ser o Loki é totalmente farofa pra mim já que eu adoro ele, mas a forma como isso foi feito foi tão ???? Já o final do conflito o qual estivemos (muito bagunçadamente) esperando o livro inteiro chega e... não acontece. Não tem jeito, gente, se você passa 400 páginas aludindo a uma guerra, uma luta colossal, ou uma "tempestade" que é como é chamada na história e ela no fim NÃO ACONTECE, não dá para esperar menos do que enorme decepção. Sem contar a forma como o Shadow foi lá e acabou com a briga, foi hilário de tão estúpido.
Agora a minha maior reclamação, sem dúvidas, é a misoginia OBSCENA na escrita desse livro. Não vou citar detalhes, mas dá pra contar nos dedos a quantidade de mulheres que aparecem sem serem objetificadas, seja pela narrativa ou por outros personagens (*cof cof* Wednesday). A personagem feminina não pode EXISTIR que o Shadow tem que reparar nos peitos ou nas coxas dela. Claro que, como esperado, nenhuma delas é bem desenvolvida, a personagem feminina que mais aparece é a Laura, esposa morta-fantasma do Shadow, que está ali pra salvar a fuça dele quando ele precisa, e só (sem comentários sobre a morte dela, também, porque pqp que humilhante). Uma das poucas mulheres aqui que não é objetificada é a Sam, mas ela compensa isso se arriscando pegando carona com um completo estranho no meio da estrada e dando um beijo no Shadow simplesmente porque sim ("Ah, mas o beijo foi um ato de rebeldia", não interessa!). A única mulher que eu posso dizer que foi SENSATA e não ridicularizada nessa história é a Marge, e só. Eu poderia passar muito tempo aqui citando momentos desconfortáveis envolvendo as personagens femininas, mas acho que já deu para ter uma ideia.
Tem umas cenas boas aqui e ali, nem tudo é tão ruim quanto eu estou dizendo, mas acho que depois de quase 500 páginas disso a mente está tão cansada que fica difícil elaborar sobre os momentos bons. Eu só queria terminar esse livro logo para cumprir minha meta desse ano o quanto antes. Se a premissa te deixou interessado, minha recomendação é Anansi Boys, que é muito mais legal e divertidinho.