Aline 24/01/2022
Se puder, leia!
Um livro do Sec. XIX sobre ideias de liberdade. É claro que acepção do termo “liberdade” variou bastante ao longo da história. Alguns, submetidos à tirania de um monarca, entendiam como liberdade ser tirado do poderio infindável a quem deviam obediência, ainda que o instrumento desta mudança fosse o Estado. Para outros, entretanto, o Estado jamais deveria deter tal poder, pois ele se retroalimentaria e cresceria cada vez mais, até chegar um dirigente tirano que se assemelharia bastante com aquele monarca absolutista.
Foi a partir desta visão história que iniciei a leitura da obra mais famosa de John Stuart Mill, cujas ideias poderiam ser diretamente aplicadas à atualidade. A introdução confunde-se com o primeiro capítulo e é onde o autor trata da liberdade, colocando o indivíduo em seu centro:
“[...] o único fim pelo qual a humanidade está autorizada, individual ou coletivamente, a interferir na liberdade de ação de qualquer um de seus integrantes é a autodefesa. Pois o único propósito para o qual o poder pode ser legitimamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é evitar dano aos outros. [...] O indivíduo não pode ser legitimamente obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa porque assim seria melhor pra ele [...]. [Pg. 22/23]
De acordo com o autor, a conduta individual deve ser deliberadamente destinada a causar mal a outrem para justificar uma intervenção. Entretanto, excetuam-se desta regra obviamente, aqueles que dependem de cuidados de outras pessoas.
No capítulo 2, denominado “Da liberdade de pensamento e discussão”, embora o autor afirme no início que “já se foi o tempo, espera-se, quando era preciso defender a liberdade da imprensa como uma das garantias contra um governo corrupto ou tirânico” [Pg. 31], percebi que a ideia ali tratada é exatamente o que se discute hoje, notadamente em função da facilidade de disseminação de qualquer informação em razão da internet. O autor defende ali o debate e a impossibilidade de se calar qualquer ideia:
“Nunca podemos ter certeza se a opinião que tentamos sufocar é uma opinião falsa; e, mesmo que tivéssemos certeza, ainda assim seria um mal sufocá-la.”
Mill defende o debate como forma de evolução. Confesso que, para mim, é um dos melhores capítulos do livro em devido à sua aplicabilidade aos tempos em que vivemos.
No capítulo 3, o autor foca a discussão na individualidade e o respeito ao indivíduo. Entretanto, ele alerta: “Ninguém pretende que as ações sejam livres como as opiniões.” Isto é, o indivíduo deve poder ter suas opiniões e viver como quiser, mas será sempre responsável pelas consequências oriundas de seus atos.
“Não é reduzindo à uniformidade tudo o que há de individual nos seres humanos, mas sim cultivando e incentivando, dentro dos limites impostos pelos direitos e interesses dos outros, que a humanidade se torna um nobre e belo objeto de contemplação; [...]. É na proporção do desenvolvimento de sua individualidade que cada pessoa se torna mais valiosa para si mesma e, portanto, capaz de ser mais valiosa para os outros.” [Pg. 97]
No capítulo 4, o autor questiona: “Onde começa a autoridade da sociedade?” Quais são os limites da sociedade sobre o indivíduo? Mill afirma desde logo que a sociedade não se funda em um contrato, porém reconhece que “todo aquele que recebe a proteção da sociedade deve retribuição pelo benefício”. Assim, “o fato de viver em sociedade torna indispensável que cada qual se obrigue a observar uma determinada linha de conduta em relação aos demais.”
De fato, o capítulo me surpreendeu. Em resumo, o autor defende que o indivíduo está vedado de lesar outros e dever arcar com sua parte. Todavia, vai além; é a partir daqui que ele reconhece diversas condutas a que a sociedade está apta perante o indivíduo: “A sociedade está justificada em impor a qualquer custo tais condições àqueles que tentam se esquivar a cumpri-las.”
Sintetiza, então, “quando a há claro prejuízo ou risco de claro prejuízo, seja ao indivíduo ou ao público, o caso sai do campo da liberdade e ingressa no campo da moralidade ou da lei.” [Pg. 125]
Por fim, o último capítulo da obra foi denominado “Aplicações” e é quando o autor demonstra a aplicação real do que foi anteriormente afirmado. Confesso que me surpreendi com as possibilidades de interferência estatal admitidas pelo autor, seja para controle (por exemplo, armas) seja na exigência de educação (embora não deva caber ao Estado fornecê-la). E, ainda assim, ele cita expressamente três razões para restringir a interferência governamental: (i) a coisa a ser feita provavelmente seria mais bem feita pelos indivíduos do que pelo governo; (ii) é desejável que os indivíduos ajam, ao invés do governo, por sua própria educação mental; (iii) aumentar desnecessariamente seu poder.
Uma mensagem final: “O valor de um Estado, no longo prazo, é o valor dos indivíduos que o compõem; [...]”
Trata-se de uma obra curtinha, escrita no Sec. XIX, cujas ideias são aplicáveis na atualidade. Por isso, vale a pena lê-lo. Provavelmente, você se surpreenderá (assim como eu).