spoiler visualizarde Paula 12/03/2023
Pecola e o paralelo de uma existência predestinada
Que livro é esse?! Como é possível tanta violência estar condensada em tão poucas páginas? Como é possível que esses crimes sejam desferidos contra um corpo e isso seja tido como normal? É uma excelente leitura, mas, absurdamente real e cruel. Simplesmente foi o melhor presente que poderia ter me dado, a experiência de ler essa narrativa e terminá-la justamente no dia do meu aniversário foi muito emblemático.
Pecola Breedlove é vítima de uma sociedade, de uma época, de um tipo de ser, terrível, degenerado e violento. Ela é o símbolo de tudo de pior que se pode acontecer com alguém e que o pior é sobreviver, apesar de tudo. Tentei chorar e não consegui, porque a dor foi no mais profundo do meu ser, aquela dor que todas nós de uma forma conhecemos, seja por sermos mulheres, que é o meu ponto de contato com a personagem, mas, existem outras identificações, como pessoas pretas entenderem o preconceito racial e etnico, ou vítimas de abuso sexual também. É muita crueldade gratuita em um corpo marginalizado e apesar de tudo, tão inocente, o que deixa essa história incômoda e dilacerante.
O que me marcou nesta história é a questão levantada por Paulo Freire, sobre a educação libertadora e o sonho do oprimido é ser opressor. As pessoas negras acabavam por ser preconceituosas com outras pessoas da própria comunidade, o que é conhecido como colorismo, e a vítima escolhida nesta narrativa era Pecola, porque era uma negra retinta. Ela sofre a violência por parte das crianças, dos adultos, da própria mãe e isso a deixa sempre atenta de onde virá a próxima violência. Ela parece um bichinho acuado em todos os momentos, inclusive, a passividade é muito difícil de lidar ao acompanhar a história. A Claudia, que conta essa história, comenta muito sobre essa passividade da menina.
O pior, porém, é revelado no primeiro capítulo, onde descobrimos que a garota engravida do próprio pai e perde o bebê e como todos a consideram pecadora e o motivo, inclusive, de flores não vingarem no período. Gosto da opção narrativa que Toni tomou em humanizar todos os personagens, mas, sem justificar com isso as atitudes deles. Tem o estupro e abuso sofrido por Pecola pelo pai, tem a consulta ao homem que dizia operador de milagres e pedófilo, tem a mãe quebrada do garotinho que tem ciúmes do gato, enfim, é tanta crueldade que nos fazem refletir que tipo de gente nós somos com tudo isso que acontece nas sociedades humanas.
É pungente, difícil e dolorido, porque as crianças são muito inocentes, elas acreditam que o sexo só pode ser feito quando as pessoas se amam, que a menstruação pode engravidar automaticamente a pessoa, que a forma de se livrar de tudo isso é com o álcool e principalmente, que é melhor o que aconteceu com Pecola, afinal, o pai dela a amava e era uma pessoa conhecida. Como pode crianças com esse pensamento sofrerem tanta maldade!
O diálogo final da Pecola com uma amiga imaginária, a própria consciência ou o bebê que morreu em plenos doze anos de idade, nos revelam que o desejo infantil dela tem uma busca estética por ser aceita pela sociedade e por ser suficiente de alguma forma. Isso é um dos tópicos mais enfatizados em resenhas, mas, não concordo que isso seja infimamente mais importante do que entender a busca pelo local de pertencimento que a garota almeja e como, ao se ver reduzida a nada, recorre ao entendimento da inveja pelos seus olhos mais azuis do que o de todos.
Uma leitura simbólica e importante, que todas as pessoas precisam ler, para entender e ser melhor com quem virá. Um dos melhores e mais difícieis livros que já li. Toni é sensacional!