Krishna.Nunes 08/03/2024Racismo, colorismo e abandono"Ao igualar beleza física com virtude, ela despiu a mente, restringiu-a, e foi acumulando desprezo por si mesma."
Pecola é uma menina que não consegue encontrar seu lugar no mundo e sente a dor de não enxergar nenhuma esperança, nenhuma perspectiva. Uma pessoa feia, inapropriada, uma menina que não se encaixa nos padrões de beleza, que não se vê retratada no cinema e nas peças de publicidade. Uma menina que tem uma grande ambição na vida: ter olhos azuis. Ela associa os olhos azuis, que ela vê em toda parte, por exemplo nas bonecas que se dão de presente para as crianças e nos rótulos dos doces que ela compra com moedinhas de 1 centavo, como sinônimo de beleza, bondade e virtude. Tudo o que ela não possui.
"Toda noite, sem falta, ela rezava para ter olhos azuis."
Escrito de forma poética, mas que não deixa de ser indigesta e repugnante, esse texto representa um pedido de socorro. É uma obra profundamente comovente que chama a refletir sobre as consequências da busca por se adequar a padrões inalcançáveis.
Pecola nunca foi protegida por ninguém, nunca recebeu amor e cuidados das pessoas que deveriam ser responsáveis por ela. Na escola ela sofria um bullying violento de outras crianças. Não importava que eram também crianças negras - "O desprezo que sentiam pela própria negritude fez irromper o primeiro insulto." E em casa era exposta a violências, xingamentos, até que acaba sofrendo abuso sexual do próprio pai. A autora propositalmente humaniza todos os que fazem mal a Pecola para que o leitor não sinta ódio deles e encare toda aquela sujeira, miséria e crueldade da maneira mais normal possível. Tudo isso leva a menina ao um completo colapso mental.
A questão do colorismo retratada no livro ainda é muito forte e mal resolvida. A indústria cultural está sendo pressionada, seja por força de legislações ou outros movimentos sociais, a dar lugar a outras imagens, outras cores o outros modelos de corpos. As pessoas têm exigido que seus cabelos, seus olhos, suas cores e suas formas também tenham espaço no cinema, nas novelas e na publicidade. Mesmo assim, quando pessoas negras são representadas, são geralmente por pessoas de pele mais clara e traços mais embranquecidos.
No Brasil, ainda que os negros e afrodescendentes sejam maioria na população, não são maioria entre os representantes na política, nos cargos de liderança, nas propagandas nem nas salas de aulas das universidades. As situações retratadas por Toni Morrison nesse livro comovente estão longe de ser superadas.