jmrainho 03/07/2016
Ler e pensar
O ato de leitura provoca níveis diferentes de entendimento. Com o avanço das ciências linguísticas, semióticas, psicanalíticas e outras, que analisam o universo dos livros, seus autores, personagens e leitores em relação com o mundo e consigo mesmo, é possível avaliar as diversas interpretações de uma obra. Até no meio dos profissionais do livro e da literatura observamos como a crítica literária difere de profissional para profissional. Essa subjetividade faz parte da magia da leitura. O ato de ler é, já em si próprio, fortemente subjetivo, segundo o Jouve.
O autor, Vicent Jouve, do Centro de Pesquisas para Leitura Literária, da Universidade de Reims, França, estuda diversas correntes analíticas para a analisar o ato da leitura, e cita frequentemente a obra de seu colega francês La lecture comme jeu (A leitura como jogo, 1986).
O charme da leitura provém em grande parte das emoções que ela suscita, diz o autor, mas não apenas isso. Até porque a obra raramente é lida como seu autor queria - o leitor, público-alvo pretenso do autor, é o "narratário". Um leitor contemporâneo do autor tem uma perspectiva e entendimento da obra diferente de um leitor de um clássico um século depois. Por isso Vincent Jouve destaca o papel dos críticos que informam os contextos das obras e de seus autores. O próprio ato de reler um livro, mostra ganhos de entendimento diferentes, o que acrescenta na visão complexa do ato da leitura. Reler, segundo Jouve, não é apenas desejável: é algo necessário. Quem joga fora a história uma vez consumida são leitores de nível de entendimento rudimentar, que só se preocupam com a leitura como passatempo, curiosidade, entretenimento a despertar suas emoções, identificando-se com as personagens.
Muitas vezes aquele que escreve não é o mesmo que conta a história, quando levamos em consideração a leitura em primeira, segunda ou terceira pessoas. Para melhor compreensão da análise literária, Jouve recorre ao concento de Michel Picard, que coloco todo o leitor em três instâncias essenciais: o "ledo" (o leitor desatento e despreocupado que lê e mantém a conexão com o mundo exterior); o "lido" (que é impactado emocionalmente com o texto); e o "leitante", o nível mais avançado, que se interessa pela complexidade da obra, a vida do autor, a mensagem que este pretende passar, e o contexto da época, Jouve acrescenta uma quarta categoria, intermediária entre o lido e o leitante, que é o "lendo". O "lendo" apreende o universo textual por si próprio; é essa parte de nós que pode sucessivamente chorar por uma personagem, dividir as angústias de outra, e se revoltar com o enredo. É o leitor encontrando seus próprios fantasmas ao identificar-se com a narrativa. E isso acontece de formas diferente, de pessoa para pessoa, ao contrapor os "espaços de certeza" e "espaços de incerteza" do texto, denominação de M. Otten (1982).
Outras noções e conceitos analíticos são descritos por Jouve, resumindo várias escolas de crítica literárias e estudo acadêmico.
Seja por escapismo, por aprendizado, o ato de ler é sempre enriquecedor e até pode ter impacto negativo em mentes mais sensíveis - casos de suicídio ou idéias assassinas (quem não lembra da discussão que o livro "O apanhador de campos de centeio" influenciou o assassino de John Lennon?
Afora esses excessos, absorvemos de forma positiva a experiência alheia. A leitura, em todos os pontos de vistas, é uma experiência de libertação. Exceto para os leitores de best-sellers, que buscam apenas a confirmação daquilo que acreditam, esperam e sabem.
A análise da obra literária, segundo Jouve, está apenas começando, com a moderna contribuição da sociologia, psicologia, história e outros ramos da ciência. Vamos acompanhar.