Abduzindolivros 16/04/2024
E pega fogo cabaré
Um fungo muito doido se espalha pelo planeta. As pessoas contaminadas ficam com marcas douradas pelo corpo, e ao menor sinal de estresse, entram em combustão. No meio desse caos, a enfermeira Harper contrai a Escama do Dragão e engravida de Jakob, o marido escroto que é imune ao esporo e quer matá-la. Consegue fugir com a ajuda de um homem misterioso, apelidado de O Bombeiro, e é amparada pelos membros de um acampamento, a Colônia Wyndham, mas será que está segura nesse lugar que mais parece um culto maluco de pessoas que cantam juntas para dominar o fungo?
Passei raiva do início ao fim com os personagens, mas foi uma raiva daquelas boas, que instiga a continuar lendo. O Joe Hill entregou uma história frenética, cheia de ação e tensão. Ao criar uma situação caótica, ele mostrou como algumas pessoas fazem de tudo para se apegar ao status quo, deixando vir à tona o pior de si mesmas diante do pavor de lidar com o desconhecido.
Jakob, por exemplo, se revelou o pior tipo de ser humano, um chorume podre, assim que percebeu que Harper tinha contraído a Escama. Durante toda a trajetória de Harper, ele foi um pesadelo. Juntou-se a um grupo de pessoas sem a doença, cujo propósito era assassinar qualquer contaminado que encontrassem. A ameaça de sua presença sugeria violência extrema e, embora ele nunca tenha batido em Harper enquanto as coisas estavam normais, conforme ela relembrava o passado dos dois, era perceptível que ele praticava abuso emocional contra ela.
Contudo, por mais terrível que ele tenha sido, ainda era mais ?fácil? de lidar pois não tinha como esperar algo de bom vindo dele. O pior problema foi lidar com as pessoas ?boas?. Uma vez acuadas, tornam-se imprevisíveis, e surpreendem pela capacidade de distorcer, manipular, fingir e praticar atos de violência, tudo em nome da segurança e do bem maior. As piores injustiças que Harper e o Bombeiro (John Rookwood) tiveram que enfrentar aconteceram na segurança da Colônia Wyndham, quando alguns membros surtaram, manipulados por outros mau intencionados, passaram a acreditar nas mentiras mais absurdas e a cometer todo tipo de atos estapafúrdios para defender o que acreditavam.
É o poder das fake news e das boas intenções dos cidadãos de bem!
As situações enfrentadas por Harper foram tão revoltantes que nem eu consegui gostar do final desse livro. E olha que eu adoro ver gente sofrendo e odeio finais felizes; porém, eu queria um alento, uma esperança, torcia para que as coisas terminassem da melhor forma possível para Harp. Só que o Joe Hill fez a mulher sofrer tudo o que podia sofrer, e o paraíso prometido não foi alcançado por ela. Ai, gente, sério. Alguns eventos ali do final foram tristes demais, queria que o Joe não tivesse essa tara de fazer a gente ficar sofrendo sem pausas...
Mesmo que ele tenha dado pistas de que o final seria daquela forma, eu não gostei. Entendo, faz sentido, ficou coerente, mas eu queria ter recebido minha esperança, assim como clamei pela justiça quando li ?O Pacto? do autor.
Uma coisa que o Joe repete na história ? e que é um recurso narrativo que o pai dele, o Stephen King, também usa bastante ? é antecipar a desgraça vindoura no final dos capítulos. Do nada, ele encerra a cena metendo um spoiler do tipo ?e essa seria a última vez que eles se falariam? e a gente fica numa mistura de frustração por ter tomado um spoiler e curiosidade para saber como vai acontecer. Confesso que esse recurso me irrita, um pouco, mas faz parte do charme do Hill, creio.
Um ponto que gostei foram as inúmeras referências a livros, músicas, filmes, artistas..., contribuindo para formar aquela atmosfera de ?nada nunca mais será como antes, daqui pra frente vocês terão somente as lembranças do que gostavam?, ajudando a reforçar a mensagem sobre aproveitarmos mais os pequenos prazeres do cotidiano. Também nos ajuda a lembrar que não é uma boa ideia deixar as coisas que queremos fazer e dizer para depois. O amanhã pode nunca chegar, ou pode chegar sendo atropelado por um grande caminhão limpa-neves.
Depois que o livro termina, o Joe Hill escreveu mais um parágrafo que é uma nítida homenagem ao conto ?Caleidoscópio? do Ray Bradbury. Apesar de eu desejar um final diferente para Harper, esse finalzinho extra aqueceu meu coração ao me fazer lembrar que, por mais que a morte pareça o fim, no universo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma... E uma pessoa que ama de verdade é capaz de transformar cada momento de sua vida ? até mesmo o instante da sua morte ? em atos de amor e sacrifício para proteger a quem ama. Ou, simplesmente, doa toda a vida que possui para ajudar alguém, de alguma forma. Foi uma cena pós-créditos que ficou emocionante e cheia de significados.
Enfim, é isso, eu curti bastante, acho que é até um livro legal para ser relido daqui uns anos. Mas, veremos. Recomendo.