Luigi.Schinzari 27/05/2020
Curta nota sobre D.Quixote
"Não existe nada mais profundo e poderoso do que este livro. Ele representa até hoje a mais grandiosa e perfeita expressão da mente humana. Se o mundo acabasse e no Além nos perguntassem: 'Então, o que você aprendeu da vida?', poderíamos simplesmente mostrar o Dom Quixote e dizer: 'Esta é a minha conclusão sobre a vida. E você? O que me diz?'"Quem disse isso foi Dostoiévski, e falar sobre O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, obra máxima da literatura mundial e pai do romance moderno, após um comentário de Dostoiévski não é um trabalho fácil.
Claro que você já conhece a história de Dom Quixote e de seu fiel escudeiro Sancho Pança; pelo menos já deve ter ouvido algo sobre ela ou até mesmo tenha lido. A história do fidalgo apaixonado por literatura de cavalaria e lendas medievais que leva sua fantasia ao delírio de viver como seus heróis é o maior marco da literatura mundial. Sua estrutura, suas nuances, a descrição de suas personagens, a verossimilhança com arquetipos da época, a condução da história e o humor refinado, muitas vezes pastelão e sempre muito sarcástico, são alguns dos fatores que fizeram Dom Quixote ser Dom Quixote.
Estranha o leitor de primeira viagem que, por ouvir tanto sobre o livro e sua importância, resolve "encarar" o calhamaço/clássico universal como se fosse ? para me manter em Dom Quixote ? um gigante a ser enfrentado com a
árduo suor e sangue: acaba se deparando com um livro divertidíssimo até mesmo para os padrões contemporâneos. Não se apavore pela data (1605/1615): Dom Quixote de Cervantes conversa com todas as gerações e com todas as idades. E essa foi sua intenção!
Episódios cômicos, sendo o humor principalmente carregado pelos devaneios do protagonista, que, às palavras de sua sobrinha, teve os miolos "fritados" por conta da literatura de cavalaria, são alguns dos conduítes das críticas de Cervantes ao mundo ao seu redor: a religião (em plena epoca de Inquisição), aos costumes (da ralé a fidalguia, da fidalguia a aristocracia), de conflitos, sobre o mundo ? e por isso é tão real e cruel ler Dom Quixote: não aprendemos muito ao longo desses quatrocentos anos; talvez seja um privilégio, o único deles, ter uma sociedade tão falha: poder ler Dom Quixote e se identificar com o escárnio de Cervantes.
Ao final, após acompanhar nossos companheiros ? pois nutrimos esse sentimento por Quixote e Sancho após poucas páginas lidas, e levamos até após o final da obra, não é a toa que ambos são figuras praticamente tombadas historicamente e já fazem parte do cânone cultural mundial ?, percebemos: quem não é louco na história? Dom Quixote com certeza é ? Cervantes não tenta e nem quer que vejamos Quixote de outra forma, sendo intrínseco esse entendimento para sua crítica a literatura de cavalaria, tão em voga a época. Mas e o padre, que, por sua crença, destrói a coleção de livros de Quixote? E os palacianos, que, por suas posições, zombam de Quixote e de Sancho por suas claras deficiências (um lunático e um analfabeto, respectivamente)? E, por fim, Sancho, um camponês que se contagia pela promessa fajuta de seu vizinho fidalgo e se torna seu escudeiro por mesquinharia? Jaá eram todos loucos ou foram contagiados pela loucura de Quixote?
Cervantes não poupa ninguém de sua sátira, que vai muito além desse curto texto. Isto serve apenas como ponto de partida: o livro está aí há 400 anos. Leia-o.