Carla.Parreira 13/10/2023
Eurico, o presbítero
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É um romance histórico que fala a respeito do fim do reino visigodo (formado na região que atualmente compreende Espanha e Portugal) diante da conquista dos muçulmanos que avançaram pela maior parte da Península Ibérica. O enredo conta a história de amor entre Eurico e Hermengarda na Espanha visigótica do século VIII. Eurico e seu amigo, Teodomiro, lutam ao lado do rei da Espanha, Vitiza, contra os montanheses rebeldes e contra a francos, seus aliados.
Depois de vencer o combate, Eurico pede ao Duque de Fávila a mão de sua filha, Hermengarda, porém este recusa o pedido ao saber que se trata de um homem de origens humildes. Eurico, então, se entrega à religiosidade, tornando-se o Presbítero de Cartéia, para se afastar das lembranças de Hermengarda, através das funções religiosas e da composição de poemas e hinos religiosos. No entanto, quando ele descobre que os árabes estão invadindo a Península Ibérica, liderados por Tárik, alerta seu amigo Teodomiro e se transforma no enigmático Cavaleiro Negro. De maneira heroica, Eurico, agora Cavaleiro Negro, luta em defesa de sua terra e, devido a seu ímpeto, ganha a admiração dos visigodos e dos demais povos da península, agora seus aliados, e lhes dá forças para combater o invasor. Quando a vitória parece certa para os godos, Sisebuto e Ebas, filhos do imperador Vitiza, traem seu povo, a fim de ganhar o trono espanhol. Logo após, Roderico, rei dos visigodos, morre na Batalha de Guadalete e o povo passa a ser liderado por Teodomiro. Enquanto isso, os árabes invadem o Mosteiro da Virgem Dolorosa e raptam Hermengarda, mas o Cavaleiro Negro a salva.
Durante a fuga, Hermengarda é levada até as Astúrias, onde está seu irmão Pelágio. Em segurança numa gruta de Covadonga, Hermengarda encontra Eurico e declara seu amor por ele. Contudo, Eurico não acredita que esse amor possa se concretizar, devido às suas convicções religiosas, e revela a real identidade do Cavaleiro Negro. Ao saber disso, Hermengarda perde a razão e Eurico, ciente de suas obrigações, parte para um combate suicida contra os árabes e enfrenta os traidores Bispo Opas e Juliano, Conde de Ceuta.
A narração passa a imagem das relações sociais marcadas pelas questões financeiras, do celibato religioso e das suas consequências forçosas.
O herói da história pode ser apresentado como o alter ego do autor Herculano. É se colocando na figura de Eurico que o autor consubstancia grande parte das suas convicções, anseios, frustrações e mitos.
A solidão moral do celibato de Eurico poderá ser lida como o sacerdócio leigo de Herculano, que renunciou ao amor de juventude em prol de uma dedicação total à causa social, política e literária. Através de Hermengarda reconhecemos o dramatismo duma Ofélia de Shakespeare, figura paradigmática ressuscitada e largamente utilizada pelos românticos como a penitente do amor. Pela oposição sistemática entre o sublime e o grotesco, sagrado e profano, pelo tom melodramático, pela redescoberta da sociedade medieval, Eurico é exemplo flagrante da inserção inequívoca de Herculano no movimento romântico, ao qual deu valioso subsídio como poeta, historiador e romancista. É um livro interessante para quem busca analisar as tradições sociais e culturais da vida antiga que, na minha opinião, ainda influencia, mesmo que inconscientemente, a nossa era moderna.