@fabio_entre.livros 27/04/2024
Machado oscilante
Concluo o último volume dos romances de Machado de Assis com uma retratação, uma confirmação e uma indagação, cada "ção" relacionada a um dos títulos.
A retratação eu faço em relação a "Esaú e Jacó"; uma vez que esta foi (como as demais, exceto "A mão e a luva") uma releitura, assumo que da primeira vez que li este romance não gostei. Pareceu-me, na época, que o brilhantismo machadiano tinha se esgotado em "Dom Casmurro", e que em "Esaú e Jacó" a narrativa era enfadonha, pouco instigante e mais interessada em "falar de política" do que em desenvolver personagens. Essa impressão negativa felizmente caiu por terra nesta releitura. Ainda acho que o auge de Machado está na trilogia anterior (sobretudo em "Memórias póstumas de Brás Cubas"), mas "Esaú e Jacó" é, afinal, uma obra bem mais interessante do que parecia à primeira vista. Ao narrar as vidas conflituosas dos gêmeos Pedro e Paulo, em tudo opostos, a não ser pelo amor à mesma mulher, Machado apresenta de forma muito criativa um panorama histórico e político do Brasil em transição da monarquia para a república.
A confirmação ficou com o último romance do autor: "Memorial de Aires". Quando o li pela primeira vez, há mais de quinze anos, foi uma experiência desinteressante, monótona e sem clímax que não chegava a lugar nenhum; a releitura confirmou essa impressão. Este é, de longe, o livro mais preguiçoso de Machado, em minha opinião. A princípio, achei estranho saber que este e considerado o trabalho mais autobiográfico do autor, mas depois lembrei que "David Copperfield" tem a mesma fama em relação a Dickens, e isso não o impediu de também ser uma leitura execrável. Quanto à história, o título, a narração em primeira pessoa e a própria ideia de um personagem idoso contando suas lembranças poderia fazer um contraponto a "Memórias póstumas", mas a forma e o conteúdo não despertam nenhum entusiasmo. Nem mesmo o narrador demonstra interesse em contar a sua vida pregressa; sabemos que é um diplomata viúvo, que viajou bastante pela Europa, que tem grande conhecimento intelectual, mas pouquíssimo do seu passado é explorado. No seu memorial ele prefere descrever as chatíssimas visitas a "gente importante" que ele faz ou recebe, e os dramas lacrimosos do casal Aguiar e seus dois "filhos postiços", cujos pais biológicos não acharam nomes menos ridículos com que batizá-los do que Tristão e Fidélia.
A indagação, por fim, eu deixo em relação aos contos consagrados que fecham o volume. São onze narrativas curtas, entre as quais estão os meus dois primeiros contatos com o autor, lá no ensino fundamental: "Um apólogo" e "A cartomante". No entanto, para uma mente febril que deu à luz mais de duas centenas de contos, eu me pergunto qual foi o critério de seleção usado para eleger os que compõem esta edição. Se a ideia era simplesmente dar mais volume ao livro, penso que teria sido mais interessante encerrá-lo com "O alienista", que é uma novela cuja extensão é mais ou menos equivalente ao espaço tomado por esses poucos contos aleatórios.