Queria Estar Lendo 23/05/2017
Resenha: Três Coroas Negras
Três Coroas Negras era um dos meus livros mais desejados para esse ano; com a promessa de uma fantasia sombria recheada por uma guerra pelo poder e muitas personagens femininas fortes, acabou que... Bem, não dá pra notar no tom da frase, mas leia isso como se eu estivesse expressando decepção. Porque foi o que esse livro me trouxe.
Três rainhas sombrias e um trono a ser governado. As trigêmeas nascidas rainhas foram separadas para se prepararem para lutar por esse trono. A rainha envenenadora, a naturalista e a elemental. Apenas uma pode reinar, e a tradição dita que elas devem duelar para que a mais forte vença. Em uma sociedade matriarcal marcada pelo poder, Três Coroas Negras deveria ter sido uma das melhores leituras deste ano. Não foi.
"Três bruxas de negro num vale vêm ao mundo,
Pequenas doces trigêmeas
Nutrem um ódio profundo
Três bruxas de negro, lindas de se ver
Duas a serem devoradas
E uma Rainha por ser."
Eu tinha me segurado em relação a reviews gringas porque vi o livro no Tumblr e o Tumblr comumente indica coisas muito boas para mim - vide a Trilogia do Vencedor, A Fúria e a Aurora e Trono de Vidro. Três Coroas Negras tem uma premissa fenomenal: três rainhas e irmãs que precisam lutar entre si por um trono sombrio, cada uma delas carregando o peso de representar uma parte da nação mágica em que vivem. O que teve nesse livro? Quase nada disso.
O grande problema da história foi ter se vendido como uma obra empoderadora, com personagens femininas incríveis e com uma trama cheia de violência, traições e escuridão. Eu esperava encontrar uma fantasia tenebrosa, com garotas forçadas a coisas terríveis pelo poder, duelos entre a honra e a conquista, o tipo de desenvolvimento que você espera ver em uma guerra por um trono. O que aconteceu realmente: o livro se enrola entre os três pontos de vista das rainhas e em 250 páginas nada acontece. O pouco que conhecemos sobre os rituais e os poderes das três rainhas é explicado de maneira leviana, e aqui a culpa é da narrativa: escrever fantasia é detalhar. Você criou um mundo, precisa explicar esse mundo. Não estou pedindo descrições de 700 páginas estilo Patrick Rothfuss, mas quero entender o que é o universo dos envenenadores, quero conhecer até onde vão os poderes dos naturalistas, quero ter uma dimensão do poderio de uma elemental. O livro não faz isso e é frustrante.
"- Pequena Katharine. A mais jovem da trinca. Ela é o tesouro de Mirabella e Arsinoe desde que elas têm idade suficiente para lhe segurar a mão."
A parte sombria e as lutas e a violência esperadas quase não existem. O livro se demora tanto nos diálogos e nos pensamentos das rainhas, que nada tem de empoderadas, aliás (já vou comentar sobre isso) que a ação nunca chega. O tempo parecia ter congelado dentro da história, mesmo os capítulos me dizendo que o ritual estava se aproximando. O máximo que eu consegui encontrar de grandioso foi no ponto de vista de Katharine, a rainha envenenadora. Apesar do background pouco explorado, os capítulos dela eram os mais fascinantes. Oprimida pelos envenenadores e forçada ao extremo para conquistar o trono, uma vez que sua mãe e outras rainhas antes dela também faziam parte daquele clã, Kat vivencia muitos pesadelos através das mãos de suas cuidadoras. Uma rainha fraca aos olhos de todos que passa por um arco de crescimento interessante ao ganhar um aliado para conquistar o trono - e aqui vai a minha reclamação: por que um livro que fala sobre rainhas poderosas tem que dar um HOMEM para fortalecer uma delas? Você tem uma sociedade matriarcal forte e imperiosa, por favor, use isso. Mais apoio feminino e menos abertura para romance sem graça, por favor.
Mirabella, a rainha elemental, foi uma grande incógnita para mim. O livro tenta passar essa ideia de que ela se importa com as irmãs e de que deseja escapar de toda essa competição mortífera imposta a elas, mas o único momento em que eu senti isso durante a leitura foi quando a Mirabella realmente faz alguma coisa para tentar reverter o jogo - e isso acontece em um capítulo. Depois as coisas voltam a ficar mornas e eu fiquei me perguntando se estava lendo uma personagem com perda de memória recente; porque é só aparecer um homem no caminho dela que ele se torna o grande e imperioso motivo do ar que ela respira.
Por último, a rainha naturalista Arsinoe que, tal qual suas irmãs, teve um crescimento raso dentro da história - mas aqui o problema é do seu ponto de vista. Arsinoe é carismática, seus medos e dúvidas foram bem introduzidos na trama, mas ela divide muitos momentos com outra personagem, a Jules, e isso interrompe o fluxo que se espera de desenvolvimento para o arco da rainha.
"- É muito cruel forçar uma rainha a matar aquelas que ela ama. Suas próprias irmãs. E ver que elas surgem à porta como lobos em busca de sua cabeça."
O livro introduz tantos personagens em tão poucas páginas que muitas vezes tive que parar, pensar e lembrar quem era quem. Tendo três visões tão diferentes sobre mundos diferentes - uma vez que a realidade dos envenenadores, dos naturalistas e dos elementais é tão vasta e paradoxal uma a outra - a ambientação também deixou a desejar. E o fato de o ponto de vista da Arsinoe, dividido com Jules, perder tanto tempo no interesse amoroso da Jules me pegou bem na espinha.
Isso foi o que mais me perturbou no livro todo. Três Coroas Negras tem uma chamada pesada, uma ideia fantástica e toda a aparência da obra grita girl power e violência em busca de um trono. A impressão que tive é que a autora se esqueceu da própria premissa durante a escrita, que não fez perfil de personagem, que não traçou detalhes para te prender à trama. Todos eles são rasos demais para você se importar; mesmo a Katharine, que foi minha favorita, é o tipo de personagem que não marca, não te deixa rolando pelo chão em feels, não te faz implorar para o livro parar e deixá-la ser feliz. O grande problema dessa história foi não dar profundidade a uma trama que prometia tanta escuridão.
"Um dia, eles chamarão grandes incêndios de Chama Mirabella e dirão que ela possuía a habilidade de calcinar o sol."
E os homens... Ah, os homens desse livro. Sabe a palavra embuste? Não começa nem a cobrir o que eles são. Eu fiquei tão furiosa o tempo todo com cada personagem masculino que era de arrancar os cabelos. Ok, nem todos, o Billy até que dá pra salvar. Ele foi fofo e gentil e dividiu bons momentos de amizade e apoio com a Arsinoe.
AH, O JOSEPH. EU QUERO FALAR SOBRE O JOSEPH, AQUELE EGOÍSTA TRAIÇOEIRO. Ele é o típico homem que faz besteira e culpa a mulher por isso; o típico personagem masculino que carrega a aura de bom moço bonitão e atraente, sabe disso, usa isso a seu favor e, quando as coisas não funcionam, paga de cachorrinho sem dono pra ver se cola. E, Deus misericordioso, as mulheres desse livro aceitaram. Elas se curvaram tanto a esse personagem que eu queria gritar QUAL É O PROBLEMA DE VOCÊS?
#TeamUrso, quem ler vai entender.
A edição da Globo Alt está fantástica, como sempre. Os capítulos das rainhas são divididos por figuras marcantes aos seus respectivos poderes, a capa e o trabalho gráfico estão espetaculares. Eu passei por alguns erros de revisão - do tipo cabelo louro que no parágrafo seguinte era ruivo - mas é coisa boba e que não atrapalha a leitura. Mais uma vez, a editora arrasou. É o tipo de livro que você pega em uma livraria e fica babando pela edição.
Ok, Denise, você surtou sobre todos os pontos negativos do livro, então por que a nota 3?
"- Não aqui. Nunca aqui. Nesta sala, a brisa certa passando pelo pó errado poderia instantaneamente resultar em uma rainha morta."
Porque o final salva. É espetacular. São três reviravoltas, duas delas muito chocantes, uma já esperada, que te prendem no lugar e te fazem devorar as páginas finais. Meu interesse em ler a sequência existe por causa desse final; porque quando o primeiro plot twist explode, meu queixo caiu no chão. O segundo me fez gritar e o terceiro, que eu já suspeitava, chegou no momento certo. A autora pareceu acordar para a própria trama, quase como se se lembrasse de que "ei, eu deveria estar escrevendo três rainhas poderosas lutando por um trono sombrio" aos 45 do segundo tempo. E isso salva toda a obra. É uma promessa de evolução que, se realmente acontecer, pode fazer valer a pena toda a lentidão desnecessária dos 3/4 desse livro e, se bem desenvolvida, pode culminar em uma impressionante guerra para o volume seguinte.
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