Fernando Lafaiete 26/11/2017O Ódio que você Semeia: Já passou da hora de lutarmos por um mundo melhor. Me calar?? Nunca mais!!
Segundo o relatório mais recente da CPI do senado; a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Portanto, enquanto eu escrevo esta resenha e enquanto você a lê, um jovem negro está dando seu último suspiro. As circunstâncias que cercam estas mortes, muitas vezes nem se quer são reveladas ou investigadas. O fato do jovem ser negro, já é o suficiente para deduzirem (de maneira imprudente) que ele é bandido.
Ao escrever "O Ódio que Você Semeia", Angie Thomas fez um favor ao mundo. Este é sem sombras de dúvidas um dos melhores livros que li este ano e um dos melhores que já li na vida.
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Starr é uma jovem negra que durante uma festa em seu bairro, acaba se encontrando com um amigo de infância. Durante uma conversa, um tiroteio ocorre e Khalil (o amigo que citei) se oferece para levá-la pra casa. No percurso de volta eles são parados por uma viatura. Qual o motivo desta parada?? Aparentemente nenhuma. A protagonista logo se lembra das orientações que sempre recebeu dos pais caso se encontra-se com um policial.
"Só fale se falarem com você; deixe suas mãos a mostra e não faça nenhum movimento brusco."
Já fora do carro e enquanto o policial verifica os documentos do veículo, Khalil se inclina para perguntar se Starr está bem, e neste momento ela escuta três disparos. Seu velho amigo é covardemente assassinado na sua frente pelo policial que os parou. Esta tragédia irá permear toda a narrativa. Lutar por justiça e se colocar em risco ou ficar calada e aceitar toda a manipulação midiática que distorce o que realmente aconteceu, colocando o policial como vítima?
Eu me apaixonei por todos os personagens. A Starr é uma das melhores protagonista que encontrei na literatura até o presente momento. As situações, diálogos, críticas sociais, referências históricas e o desenvolvimento da história fizeram com que eu passase a considerar este livro uma perfeição.
A autora deixa claro que considerar todo policial como sendo corrupto e assassino e todo negro como bandido, são atitudes que semeiam o ódio. Estes comportamentos são bem comuns e nada colaboram para um mundo melhor. Vivemos e fazemos parte de um sistema de merda onde infelizmente a injustiça é a que mais predomina. Diante de uma situação como a da protagonista, não devemos nos calar. Temos a obrigação como cidadãos de lutarmos por justiça.
O contraste cultural e a posição sócio-econômica que a autora coloca a personagem central também levanta muitas discussões. A protagonista estuda em uma escola particular predominada por brancos. Para ser aceita socialmente, ela não pode ser ela mesma. Precisa se vestir e se portar de maneira completamente diferente. Qualquer atitude fora do padrão branco de ser, ela logo será julgada como a negra do colégio que mora no gueto e que não sabe se comportar. A relação com as amigas e a vergonha de sua origem fazem com que a personagem em questão seja humanizada...Ela vai crescendo durante o desenrolar do livro e se apaixonar por ela é inevitável. As relações interpessoais e familiares levantam também o debate sobre o racismo reverso. Um negro deve manter distância de um branco o máximo que ele puder?
A situação que inicia a história de "O Ódio que você semeia" acontece em todo lugar. Muitos jovens acabam se tornando apenas um número no meio de uma estatística. Esta situação absurda precisa mudar.
Em 2006 Eduardo costa, um garoto negro de 10 anos de idade é assassinado por um policial enquanto esperava a irmã na varanda de sua casa. No mesmo ano a jovem negra Ana Paula costa de 20 anos, grávida, também é assassinada. Quais os motivos destas mortes terem ocorrido?? Eu pesquisei e não encontrei nenhuma resposta aceitável. Como a própria autora diz: nossa voz é uma arma... Já está na hora de gritarmos para o mundo que não aguentamos mais estas situações.
As vidas dos negros importa. A vida dos brancos importa. A vida dos mulatos, ricos, pobres, japoneses, judeus etc. Toda vida importa! A autora aborda e defende uma crise a qual ela sente na pele por ser negra. Mas não devemos nos tornar míopes diante de situações semelhantes que ocorrem com pessoas de outras etnias.
Agradeço Angie Thomas por ter escrito este livro. Ela diz nos agradecimentos que devemos ser as flores que crescem no concreto. Mesmo em um mundo tão nebuloso e injusto, ainda há espaço pra esperança. O mundo não se transformou no que é sozinho. Colaboramos para que tudo chegasse a este ponto. Agora chegou a hora de lutarmos por algo melhor. Seja para nós mesmos ou para os nossos filhos. O que importa é nunca desistirmos e nunca nos calarmos.