Driely Meira 08/09/2017
Fascinante!
Effia foi criada para se casar com o próximo chefe da aldeia onde nascera, mas acaba sendo vendida pelos pais (pela mãe, na verdade) para um inglês chamado James, governador do que eles chamavam de Castelo de Cape Coast, e acaba indo viver numa espécie de vila cheia de colonizadores e suas raparigas, que eram como chamavam suas “esposas” negras. Escondidos naquele castelo ficavam os negros sequestrados e “adquiridos” nas disputas entre as várias tribos ganesas, esperando para serem vendidos para quem pagasse mais. Presa num dos porões estava Esi, a meia-irmã que Effia não sabia ter, e logo Esi é vendida.
Esi aprendeu a dividir sua vida e, Antes do Castelo e Agora. Antes do Castelo, ela era a filha do Grande Homem e de sua terceira esposa, Maame. Agora ela era pó. Antes do Castelo, ela era a moça mais bonita da aldeia. Agora ela era nada mais que ar. – página 53
Anos depois, conhecemos a história dos filhos (Quey e Ness) das duas irmãs; ele seguindo com os negócios do pai (tráfico de escravos) e ela sendo uma escrava no Alabama, Estados Unidos. Após seus relatos, conhecemos seus filhos, e assim o livro continua, até chegar na sétima geração. Durante mais de quatrocentas páginas pude conhecer mais sobre Gana, a rivalidade entre seus povos e seus costumes. Li sobre o pior da espécie humana, li sobre gente sendo chicoteada e morta, presa e escravizada, acompanhei os personagens em suas lutas pela liberdade, indo desde o século XVIII, passando pela Guerra da Secessão nos Estados Unidos e chegando até uma época onde pessoas negras podiam frequentar a escola, mas não sem sofrer racismo da parte da sociedade.
.... No seu corpo ele sabia que nos Estados Unidos ser um homem negro era a pior coisa que você poderia ser. Pior do que morto, você era um morto que andava. – página 385
O que mais impressiona a respeito deste livro é o fato de que a maioria dos personagens, mesmo passando por muita coisa ruim (em especial a linhagem de Esi, que já começa com ela sendo vendida e escravizada) lutam pela liberdade e pelo o que acreditam, e toda vez que a história de alguém acabava (todas narradas em terceira pessoa e bem curtinhas), eu ficava triste querendo mais. Mas aí era envolvida pela história do próximo personagem e o ciclo se repetia.
Confesso que quando comecei a ler O caminho de casa, tinha medo de que o livro fosse cansativo ou enrolado demais, por conta de seu tamanho. Porém, fui fisgada já nas primeiras páginas, e mesmo que tivesse que fazer algumas pausas entre a leitura (principalmente quando o “capítulo” em questão era forte e o personagem sofria), foi um livro que eu li bem rápido. A única coisa que me decepcionou foi o final, mas não foi tão ruim, eu só esperava um pouco mais.
“Você quer saber o que é fraqueza? Fraqueza é tratar alguém como se pertencesse a você. Força é saber que cada pessoa pertence a si mesma. ” – página 63
A carga emocional de O caminho de casa é muito grande, mas é aquele tipo de história que, mesmo depois de tanta coisa ruim acontecendo, você lê o final e fecha o livro com um sorriso no rosto e uma sensação de paz muito grande no peito, seguida por um tremor de medo. Sabemos que a escravidão já acabou há décadas (pelo menos da maneira como era antes; sabemos que ainda existem pessoas escravizadas em muitos lugares), mas o que impede o ser humano de repetir tudo outra vez? O que nos impede de ignorar a dor alheia e não pensar em mais nada além de dinheiro e da cor da pele de alguém? O que nos impede de sermos como as pessoas que fizeram da vida de Esi, Ness, Sam, H e tantos outros, um verdadeiro inferno?
“Hum. Viu? Foi o que eu pensei. Tu era novo. A escravidão não é nada importante pra tu, né? Se ninguém te contou, eu vou contar. A guerra pode ter terminado, mas não acabou de verdade.” – página 237
Mais do que uma carga histórica e emocional grande, eu encontrei em O caminho de casa um verdadeiro tesouro. Sabe aquele livro em que, à medida em que você lê, se sente cada vez mais tocadx e cada vez mais mergulhadx na história, sentindo como se fizesse tão parte dela quanto os próprios personagens? Assim é a obra de Yaa Gyasi, e se você procura um livro que aborde todos os temas mencionados nesta resenha, e queira se aventurar um pouco na literatura africana, este é o livro para você. Só peço para que se prepare, pois muitas cenas são de dar raiva, e outras de querer chorar. Sou muito grata à editora Rocco, que caprichou na edição e nos trouxe um livro maravilhoso
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