lendocombeatrizz 21/06/2024
?Havia a ilusão para se aguentar a viver.?
O livro "Becos da memória", escrito por Conceição Evaristo, é um dos romances memorialistas mais respeitados da contemporaneidade, considerando muitos aspectos da formação da sociedade brasileira e traduzindo muito da complexidade humana em uma denuncia social. A obra é escrita no formato de prosa, com uma dose de lirismo e drama, mas também com um conteúdo inspirado em experiências reais e resgatadas da vida da própria autora e de sua família ? apresentado no prefácio como um texto ficcional con(fundindo) escrita e vida.
A narrativa é feita em primeira pessoa, com um narrador que é considerado desconhecido até o final do livro. No entanto, algumas pistas são apresentadas com o passar das páginas, ou seja, conseguimos chegar à conclusão de que a narradora é Maria-Nova, a personagem principal que dá vida às memórias do beco. Maria é uma pré-adolescente que vive em uma favela ficcional que está sofrendo com as ações do homem, um processo real apresentado por Conceição como ?desfavelamento?, que consiste na aniquilação desses assentamentos.
Nesse contexto, a narradora nos apresenta, de forma gradativa e dinâmica, as histórias de alguns moradores da favela, como Bondade, Negro Alírio, Vó Rita e entre outros. Os testemunhos, que vão de encontro com a realidade, percorrem desde a violência doméstica até o período pós abolição da escravatura no Brasil. E, apesar dos relatos serem fatídicos, naqueles becos que ainda não haviam virado memórias, habitavam os afetos e a resistência de um povo que vivia à margem, compartilhando não só uma realidade semelhante, mas também o coração de Vó Rita.
Evaristo buscou com o enredo trazer o significado de lar para a favela, valorizando o que normalmente é esquecido e excluído, uma vez que, de acordo com o Instituto Locomotiva em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa), 67% da população presente na favela são negras. Portanto, ainda que em Becos da memória o processo de ?desfavelamento? tenha sido concreto, a realidade pode ser diferente, pois enquanto morar, viver e comer for privilégio, ocupar é direito (Mafort, 2022).