Eduardo 18/12/2021
Às voltas com o imperialismo
Havia visto a encenação desse texto pelo Teatro Oficina em 2018, fiquei impressionado com a contemporaneidade do texto e fiquei me perguntando bastante o que era invenção do Oswald de Andrade e o que era a mão contemporânea do Oficina. Lendo agora pela primeira vez o texto original continuo impressionado com o texto, por perceber com muita clareza o funcionamento da crise capitalista na concentração de capital e como o capitalismo financeiro brasileiro serve de aliado ao capitalismo dos países centrais. Outra elemento que me impressionou é a presença no texto do que se chama hoje comumente de quebra da quarta parede, que quebra a ilusão de realidade da encenação.
É um texto bastante divertido, me peguei dando risada várias vezes ao longo da leitura com o seu humor escrachado e caricatural. Há caricaturas bastante marcantes, do intelectual "vendido" Pinote à esposa lésbica que se envolve com diversos homens por interesses materiais. As representações de homossexuais ferem de modo muito claro a sensibilidade contemporânea, mas isso não parece uma surpresa vindo do autor que expôs a homossexualidade do companheiro Mário de Andrade ridicularizando-o publicamente. Oswald de Andrade é uma figura de força vital intensa, para o bem e para o mal (há sim uma vitalidade que é tóxica).
Vários elementos presente no Brasil após a crise de 1930 comparecem no texto: ascensão do fascismo, imperialismo, decadência das famílias nobres, capitalismo financeiro a serviço de interesses estrangeiros e contra a burguesia industrial, tendência a concentração de renda. Na parte dos costumes, satiriza-se a noção da família tradicional a partir do incesto, da homossexualidade e da sedução pelo interesse material.
Esta edição da Companhia das Letras contém, além do texto original da peça, seis textos de fortuna crítica, incluindo o manifesto do Teatro Oficina tratando da peça, de 1967 e um texto sobre O Rei da Vela e o carnaval de 2017, ambos escritos por Zé Celso. Minha impressão de uma leitura rápida destes textos é de que há mais enfoque na encenação de 1967 do que no texto original de Oswald de Andrade, criando como que uma impressão da genialidade do autor cuja capacidade de escrever um texto que soaria atual por tanto tempo é pouco analisada. Não conseguimos entender como o escritor pôde escrever tal texto já em 1933, e a demora de 34 anos para a primeira montagem atestariam pelo aspecto "à frente de seu tempo" da obra. Contra essa impressão, fiquei pensando que isso na verdade é uma dificuldade de compreender o que era o Brasil de 1930 e como ele se repetia e se reatualizava na década de 1960. O mesmo fenômeno se duplicaria na década de 2010, com o golpe parlamentar-midiático e que, a despeito dos carnavais, não pôde impedir a ascensão de Belarmino à presidência do país.