spoiler visualizarAurelio.menezes 07/09/2024
Nacionalismo ufanista não vinga!
?O Triste Fim de Policarpo Quaresma?, de Lima Barreto, é uma obra fundamental da literatura brasileira que realiza uma profunda crítica à ideia de uma nação que busca uma originalidade e uma pureza. A narrativa se centra no personagem Policarpo Quaresma, um patriota ingênuo que deseja construir uma identidade nacional genuína, acreditando na existência de uma essência pura e original do Brasil. No entanto, essa busca por pureza se revela um paradoxo e um poço sem fundo, pois ele jamais consegue alcançar essa verdade idealizada sobre a nação.
Ao longo do romance, Lima Barreto utiliza diversos ?signos? culturais para mostrar a impossibilidade de Policarpo de encontrar essa pureza nacional. A biblioteca é o primeiro desses signos. Policarpo tenta compreender a nação estudando livros que, ironicamente, são escritos por estrangeiros que interpretaram o Brasil a partir de uma perspectiva eurocêntrica. Dessa forma, ele se depara com o primeiro paradoxo: buscar uma identidade nacional por meio de um conhecimento que nega e reinterpreta o Brasil de uma forma colonial e externa.
Outro signo explorado é a língua tupi, que Policarpo defende como uma língua oficial para resgatar a originalidade brasileira. Porém, essa proposta é rejeitada por todos ao seu redor, uma vez que a identidade é construída a partir do reconhecimento. A população brasileira da época não se reconhecia na língua tupi, tornando-a ineficaz como símbolo de identidade nacional. Essa proposta é vista como absurda e ridícula, levando Policarpo a ser alvo de riso e zombaria.
O terceiro signo é a modinha, que Policarpo acredita ser um autêntico símbolo estético da cultura brasileira. Ele descobre, no entanto, que a modinha tem raízes europeias, vindo de Portugal, e que no Brasil foi reinventada pelo violão, um instrumento culturalmente associado à população negra e periférica. Ao perceber que a modinha não é um produto genuinamente brasileiro, Policarpo sente-se frustrado, vendo seu ideal mais uma vez desmoronar.
Por fim, a terra é outro símbolo que Policarpo tenta usar para demonstrar a grandiosidade e a pureza do Brasil. Inspirado pela famosa carta de Pero Vaz de Caminha, ele acredita na ideia romântica de que ?nesta terra, plantando, tudo dá?. No entanto, suas tentativas de prosperar na agricultura falham, não apenas pela inexperiência, mas porque essa visão utópica da terra brasileira está profundamente enraizada no mito de um paraíso natural que não corresponde à realidade.
A jornada de Policarpo é marcada por um ciclo de classificações após cada fracasso: riso, loucura, violência e morte. O personagem é constantemente ridicularizado por suas ideias ingênuas e, ao desafiar a ordem estabelecida, é considerado louco, resultando em sua prisão e subsequente morte. Esse ciclo trágico ilustra a ironia de Lima Barreto ao criticar o projeto romântico de construção de uma identidade nacional homogênea e idealizada. O autor sugere que esse ideal é absurdo, pois a cultura brasileira é essencialmente miscigenada e múltipla.
Além de criticar o projeto romântico de nação, Lima Barreto também ataca o projeto de modernidade ocidental, que tenta impor uma visão de progresso baseada na ciência e na tecnologia europeias. A multiplicidade de saberes que Lima apresenta, incluindo o saber científico e o saber popular periférico, quebra a hierarquia tradicional de conhecimento. Ele valoriza igualmente o conhecimento científico e o saber negro, representado pela figura da ?preta velha?, que com sua sabedoria ancestral, é capaz de resolver problemas que a ciência moderna não consegue solucionar.
Dessa forma, ?O Triste Fim de Policarpo Quaresma? é uma obra que vai além de uma crítica à sociedade brasileira do início do século XX; é uma reflexão sobre a multiplicidade cultural e a resistência contra projetos de nação baseados na exclusão e na homogeneidade. Lima Barreto propõe, com ironia e profundidade, um Brasil onde a diferença é um valor civilizatório e onde as várias formas de saber coexistem como partes igualmente válidas da identidade nacional.