Ronan 03/01/2022
Como muitos desses livros que lemos para o vestibular ou quando estamos no Ensino médio, minha primeira leitura da obra (se é que houve) foi equivocada, a ponto de eu não me lembrar mais se a tinha lido. Recentemente li os contos completos do autor e tive vontade de ler essa obra. Novamente as questões racial, econômica, social e da descrição de um Rio de Janeiro que mudava rapidamente no início do séc. XX vêm à tona com muita força, traçando um panorama da chamada “República da Espada”.
Policarpo é um nacionalista, um idealista, que valoriza seu país acima de tudo e de todos e que faz os maiores sacrifícios por ele. Tudo que é brasileiro para ele é melhor e ele faz uma busca intelectual por tudo aquilo que fosse genuinamente brasileiro para justificá-lo. Quer seja na música, na língua tupi ou na sua tentativa frustrada de cultivar a terra (a mais fértil do mundo) em seu sítio do “Sossego” essa busca estava presente.
À despeito de seus esforços, o ambiente que o cercava era muito tacanho e egoísta, a burguesia carioca da qual ele fazia parte estava imersa em uma vida de aparências, pautada pelo egoísmo de uma elite burocrática que via no Estado uma maneira de ganhar a vida, privilégios pessoais e status. Há muitos personagens militares, sendo Quaresma um deles, que deveriam primar pelo nacionalismo mas que só o fazem nas aparências, ironicamente nunca participaram de guerras reais e passam o tempo discutindo formas de “arrancar” do erário público vantagens. Quando Quaresma ousa propor o uso do tupi como forma de exaltar esse nacionalismo é acusado de maluco e vai para o manicômio.
Dentro desse ambiente do funcionalismo público a mania de “doutores” é forte, o prestígio a eles atribuído era alto, mesmo que sua sabedoria fosse apenas de fachada visando a ascensão e o reconhecimento sociais. Impera também o positivismo, fortemente ironizado pelo autor.
A política consegue ser ainda pior, ele tem problemas com as autoridades no sítio por não colaborar com fraudes nas eleições e preferir não se meter nos mandonismos locais (trata-se do coronelismo tão caro à esse período da nossa história). O sítio por sua vez tem uma terra muito ingrata (metáfora do Brasil?), já que por maiores e obstinados que fossem seus esforços a terra não dava quase nenhum retorno. Ao apoiar o presidente Floriano Peixoto durante a Revolta da Armada, com os mais sinceros desejos de estar contribuindo para o futuro do país, acaba por ser preso e esse é o seu triste fim, a morte, condenado por ter desagradado o presidente ditador ao se queixar em uma carta do rumo que via as coisas tomando.
Termino a obra pensando que ela é uma alegoria de como o Brasil trata os brasileiros que apostam tudo nele, uma crítica a uma elite política e econômica tacanha, europeizada, que não pensa para além do seu próprio umbigo e políticos que não enxergam além dos seus interesses pessoais imediatos. Tudo isso ocorrendo pari passu com uma modernidade que atropela as pessoas, os fatos e suas sensibilidades, uma sociedade atrasada, violenta, desigual, burra e que vive de aparências. Os personagens mais simples, como o compositor Ricardo coração de leão (coração puro) ou os escravizados que trabalham para ele no sítio são aqueles mais leais, bem como sua afilhada, uma mulher à frente de seu tempo, obrigada a se casar pelas pressões de sua época mas que enxerga muito além dele e é frustrada em função disso (embora implicitamente ela problematiza a emancipação feminina), uma radiografia social acurada.