@pacotedetextos 10/02/2015Machado sendo, sempre, Machado“Coisas bonitas, coisas futuras!” (p. 57)
“Esaú e Jacó conta a história de dois gêmeos da alta burguesia carioca separados desde a mais tenra idade pela inimizade e pelas diferenças: Pedro, dissimulado e cauteloso, e Paulo, arrojado e impetuoso. Ambos, porém, apaixonados pela mesma mulher, Flora, “a inexplicável”. Às vésperas da Proclamação da República, o autor, por meio dos embates e das desventuras dos irmãos (um monarquista, o outro, republicano), pinta um retrato melancólico, mas por vezes também hilariante, da política e da alma brasileira.” (texto extraído da própria contracapa do livro)
Machado dispensa comentários. Ainda mais quando se trata de uma obra da sua época mais madura, uma das últimas publicadas por ele, considerado um dos maiores (para mim, o maior) escritores brasileiros de todos os tempos.
Mas vou tentar.
Mais uma vez, como sói acontecer nos romances machadianos, há várias intertextualidades com obras clássicas e, mesmo, com a Bíblia. Aqui um fato curioso: embora descrente com as instituições religiosas, Machado era um leitor voraz da Bíblia, pois a considerava uma excelente fonte para a literatura. O próprio título deste romance remete a um episódio bíblico, não?
Continuando, temos em Esaú e Jacó um panorama belíssimo da transição do Império para a República no Brasil. Mas não é só isso. Temos palimpsestos, ou escritas em camadas, cabendo ao leitor cavá-las cada vez mais fundo e decifrá-las. Representações da burguesia e da nobreza brasileiras, retratos da política, sentimentos interesseiros e escaladas sociais são alguns dos elementos que encontramos.
O bom, em Machado, é que seus escritos nunca se restringem ao contexto do século XIX, podendo ser facilmente aplicáveis à realidade atual. Ou é apenas daquela época o seguinte trecho: “Verdadeiramente há opiniões e temperamentos. Um homem pode muito bem ter o temperamento oposto às suas ideias” (p. 157)?
Não quero aqui dar spoilers, por isso vou deixando a resenha por aqui mesmo. Dois irmãos, gêmeos, brigando pela mesma mulher, temperamentos totalmente diferentes… Já deu pra ter uma ideia do livro, não? E ficar com uma vontade imensa de ler!
RECOMENDO FORTEMENTE, SEMPRE – mas principalmente para aqueles irmãos que insistem em brigar todo dia por qualquer coisinha que seja.
Trechos:
. Explicações comem tempo e papel, demoram a ação e acabam por enfadar. O melhor é ler com atenção. (p. 64)
. O amor, que é a primeira das artes da paz, pode-se dizer que é um duelo, não de morte, mas de vida. (p. 83)
. As ideias querem-se festejadas, quando são belas, e examinadas, quando novas. (p. 84)
. Há, nos mais graves acontecimentos, muitos pormenores que se perdem, outros que a imaginação inventa para suprir os perdidos, e nem por isso a história morre. (p. 95)
. Na mulher, o sexo corrige a banalidade; no homem, agrava. (p. 111)
. Tudo cansa, até a solidão. (p. 115)
. Há frases assim felizes. Nascem modestamente, como a gente pobre; quando menos pensam, estão governando o mundo, à semelhança das ideias. As próprias ideias nem sempre conservam o nome do pai; muitas aparecem órfãs, nascidas de nada e de ninguém. Cada um pega delas, verte-as como pode, e vai levá-las à feira, onde todos as têm por suas. (p. 121)
. Imaginou que a grita da multidão protestante era filha de um velho instinto de resistência à autoridade. Advertiu que o homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador, que aliás lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da oposição. Que o homem se acostume às leis, vá; que incline o colo à força e ao bel-prazer, vá também; é o que se dá com a planta, quando sopra o vento. Mas que abençoe a força e cumpra as leis sempre, sempre, sempre, é violar a liberdade primitiva, a liberdade do velho Adão. (p. 126)
. O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio. (p. 129)
. Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da situação. (p. 135)
. Verdadeiramente há opiniões e temperamentos. Um homem pode muito bem ter o temperamento oposto às suas ideias. (p. 157)
. A mulher é a desolação do homem. (p. 159)
. Todos os sonhos são próprios ao sono de uma criança. (p. 160)
. Não vale a pena ir à cata das palavras riscadas. Menos vale supri-las. (p. 178)
. A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito. (p. 197)
. Nem só a verdade se deve dizer às mães. (p. 222)
. Jesus Cristo não distribui os governos deste mundo. O povo é que os entrega a quem merece, por meio de cédulas fechadas, metidas dentro de uma urna de madeira, contadas, abertas, lidas, somadas e multiplicadas. (p. 231)
. A vocação de descobrir e encobrir. Toda a diplomacia está nestes dois verbos parentes. (p. 233)
. Às vezes, falar não custa menos que pensar. (p. 257)
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