spoiler visualizarLarissa3141 01/10/2023
Uma sátira sobre dark academia (antes mesmo desse termo se popularizar)
No momento, me arrependo de não ter começado a escrever isso mais cedo, talvez se eu tivesse escrito minhas sensações com cada arco, essa resenha seria mais justa, mas no momento, eu acabei de terminar o livro, então apenas minha experiência de quem já passou por essas 490 páginas se sobressai.
Esse livro foi uma EXPERIÊNCIA. Ele brincou comigo como um gato com um novelo de lã. Foi enlouquecedora a paranoia inicial a respeito de um grupo de jovens tão misteriosos, apenas para, em seguida, descobrir que elas estavam certas e que a verdade é mais cruel que a dúvida. Logo em seguida a apreenssão dos preparativos do assassinato e a forma como todos lideram com o pós.
Acho que essas três partes são uma boa forma de dividir o livro e assim o farei.
O ambiente da faculdade foi, em um primeiro momento, encantador para mim. Leituras de Homero, professor de antiguidade elitista, porém encantador, suéteres de lã, blazers e calças de alfaiataria, são algo que fazem parte do meu pequeno universo como estudante de história. Acho muito justo o livro ter ganhado fama recentemente por conta de sua “estética”, e é um tanto irônico que ele se encaixe perfeitamente no “dark academia”, justo um livro que critica a superficialidade da faculdade, e em partes, a superficialidade de seus próprios leitores, entretanto, “aesthetic” liga para críticas, mensagens ou ensinamentos? Eu diria que não, é apenas suéteres de lã, calças de alfaiataria e livros de capa dura (a história não importa, desde que seja algum clássico ou aqueles com capa de couro e letras douradas que as pessoas costumam comprar para preencher prateleiras). Por isso a história secreta se encaixa tão bem no famoso “dark academia”, a estética está ali e é só isso que importa.
Eu sinto um tom ácido na escrita da Donna, assisti algumas entrevistas dela sobre seu entusiasmo com Homero, e em suas fotos do tempo da faculdade, ela parece ter saído direto de dentro de seu próprio livro. Acho que por isso ele é tão divertido: a dose certa de autocrítica, funcionando quase que como uma sátira do próprio ambiente acadêmico (que talvez arrebate os próprios leitores que estudam ciências humanas, ao menos funcionou comigo).
Como sabemos no primeiro parágrafo que Bunny vai morrer, ficamos a todo momento esperando o estopim da tragédia. Acontece que ele se demonstra tão rapidamente detestável com seus comentários antissemitas, homofóbicos e misóginos, que em certo ponto eu não via a hora dele desaparecer logo, o que eu não esperava é que teria um outro assassinato antes desse. O assassinato do fazendeiro não tem outra importância a não ser mover a trama para o assassinato de Bunny, é incrivel como os jovens não dão importância para o que fizeram, como se fosse apenas um erro bobo.
O livro inteiro tem essa sensação de sonho, como se os acontecimentos não tivessem de fato consequência. Não é o que você espera de um suspense, os assassinatos não possuem narração, só acompanhamos o desenrolar e o sentimento de paranoia. O Richard sem dúvidas é um narrador não confiável, em tantos momentos senti raiva dele, da forma como tentava manter contato com todos, de suas mentiras e de sua tendência para a romantização. Acho que uma das minhas favoritas é quando Camilla corta o pé com um caco de vidro no lago e Richard narra ela desacordada sendo carregada por Henry como se falasse de um quadro pré-rafaelita, é ridículo quando paramos para pensar que sua amiga estava ferida enquanto ele achava a situação linda. Essa parte é praticamente uma metalinguagem, pois a escrita da cena em si é lindíssima e me peguei pensando em como a Donna escreve bem, o que não me tornava muito diferente de Richard.
Nada na história acontece de forma lógica e ter um personagem tão meticuloso como o Henry torna isso um contraste perfeito. Ele é um personagem que surpreende várias vezes, uma contradição ambulante, parece muito prático e racional, porém todos comentam sobre o quão supersticioso ele é. É divertido essa guerra de percepções, quando compramos a versão de um personagem, o outro aparece para nos contar alguma informação aterrorizante sobre ele. Ninguém é santo nessa história.
Achei Francis um doce, apesar de sua tendência para elitismo e machismo, me pareceu o com emoções mais genuínas pelos amigos. Camilla foi uma incógnita para mim e saber que jamais vamos conhecer a versão dela sobre os fatos me deixa angustiada. Se fosse um autor homem, talvez eu criticasse sua participação na trama, mas sendo uma mulher, sei que a autora escreveu a Camilla de uma forma modesta e cheia de entrelinhas em que outras mulheres e outros leitores mais atentos conseguissem imaginar perfeitamente seus problemas e a série de abusos pelos quais ela passou sem precisar ser escrito.
Logo no início o livro fala sobre como pessoas certinhas sentem prazer em perder o controle e o famoso “as aparências enganam” entram em cena, afinal, quem poderia imaginar que um grupo de estudantes ricos, certinhos e educados poderiam ser alcoólatras, usar drogas, cometer assassinatos e terem condutas sexuais no mínimo questionáveis (para dizer o mínimo)?
Dito isso, amei o livro, ele foi torturante na medida certa em algumas partes, se a leitura é fluida demais, mata o suspense e acaba com a paranoia.