Guto 16/02/2024
Sobre a trilogia
Algumas coisas a gente tem cravadas na nossa imaginação e na memória visual por causa do cinema. Batalhas medievais, por exemplo. Dá pra imaginar nitidamente a formação de uma parede de escudos por causa dos filmes. Mas eu, particularmente, nunca tinha me interessado muito por livros com essa temática. E acho que por isso mesmo nunca tinha parado pra pensar no quão desafiador pode ser para um escritor desenvolver, no papel, uma cena de ação intensa num campo de batalha sem cair numa coisa tosca ou confusa. Foi só agora, lendo as Crônicas de Artur (Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur) que eu tive essa dimensão. E também foi só agora que eu entendi porque o Bernard Cornwell merece toda a fama de gigante que ele tem. Que texto foda!
Resisti por anos achando que talvez não fosse curtir e fiquei apaixonado. Quero ler tudo desse homem - ainda bem que ele tem a caneta nervosa e já publicou bastante. As cenas de guerra são hiper-realistas, uma coisa cinematográfica mesmo e de dar ansiedade. Situações que você lê e pensa: como que esse 🤬 #$%!& vai fazer pra sair dessa agora!? E as soluções são sempre uma coisa impactante! E vale dizer: são impactantes, mas sem em nenhum momento cair no terreno do absurdo ou do deus ex-machina… nada, em outras palavras, é tirado do 🤬 #$%!& . Cada detalhe importa. O que o escritor coloca no papel é sempre importante. E é isso que confere todo o ritmo do livro. Aqui quase não há gordura.
E, se o ritmo é alucinante, o desenvolvimento das personagens é igualmente um ponto altíssimo. Em algum momento da sua vida você já ouvir falar de todo elenco, por assim dizer, que o Bernard Cornwell coloca nesses três livros. São figuras que povoam o imaginário ocidental e que já passaram pelo trato de muitos bardos, escritores e dramaturgos. Mas aqui ele dá toda uma nova perspectiva, um novo aprofundamento e um trato muito mais realista e histórico. Por mais que as personagens sejam todas ficcionais (ninguém pode afirmar que Artur de fato existiu, rs), esta é uma trilogia histórica pela maneira com que o autor entrelaça o pano de fundo - a Britânia pós-romana, as invasões saxônicas, os conflitos religiosos entre pagãos e cristãos, as descrições arquitetônicas e os costumes. É uma ficção muito bem ancorada na história, mas também na mitologia e na magia… e esse último elemento aqui é muito bem trabalhado. A magia é fundamental pra história, mas a todo momento é tratada de uma maneira muito sóbria, o que faz com que ela pareça ao mesmo tempo real e questionável. Coisas que o leitor pode atribuir à superstição, à sorte e ao acaso, e outras coisas que simplesmente não têm explicação. É bárbaro!
Derfel, o amigo e lorde guerreiro de Artur, é um narrador cativante. Daqueles que viram nosso amigo conforme conhecemos mais sobre sua história. Olhar as coisas pelos olhos dele - e não pelos do seu senhor - faz com que tenhamos a distância certa de Artur. Desta maneira conseguimos ver, pelo olhar de alguém próximo, o homem por trás da lenda.
Merlin, Nimue (Vivien), Guinevere, Lancelot, Morgana, Uther, Mordred e até Tristão e Isolda… se preparem para versões repaginadas, profundas e verdadeiramente humanas. Alguns você vai amar, outros vai odiar… em alguns momentos você vai sentir as duas coisas. Depende do momento. Enfim, leia que você vai entender do que estou falando.